Conjugando filmes de género e cinema de autor, a Mostra de Cinemas Ibero-Americanos – No Escurinho do Cinema exibirá 41 projetos ibero-americanos entre 4 e 16 de dezembro no cinema São Jorge, em Lisboa. O evento vem da parceria entre a Casa da América Latina, organizadora de uma mostra anual dedicado ao cinema ibero-americano, e a Câmara de Lisboa, que integrou o certame nas comemorações da Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura.

 

Para além de projetos francamente acessíveis, como o uruguaio “El Candidato”, sátira sobre o mundo da política, o evento faz quase um inventário dos grandes festivais internacionais direcionados ao cinema de autor – com predominância de títulos estreados em Berlim, San Sebastián, Sundance, Roterdão e Cannes.

 

O SAPO Mag conversou com um dos programadores da Mostra, Carlos Nogueira, sobre a organização especial desta edição pelo facto do certame se incorporar ao evento Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura.

 

Conforme salienta o programador, existem pelo menos duas excelentes razões para os espectadores em busca de diversidade: “O cinema ibero-americano está a atravessar uma excelente fase e, além disto, raramente estreiam nas salas portuguesas”, diz.

 

A projeção internacional vem do início do século XXI.

“No caso argentino vem desde Lucrecia Martel e Lizandro Alonso. Logo a seguir vieram os uruguaios, com filmes como 'Whisky', seguido pelos mexicanos e nomes como os de Carlos Reygadas e Amat Escalante e, certamente, os chilenos.  Eles pareciam surgidos do nada e vinham acompanhados por muitos outros, revelando um viveiro de criatividade, que ainda se mantém”, afirma Nogueira.

 

O enorme currículo internacional dos títulos escolhidos, a maioria saídos dos grandes festivais internacionais de cinema, parece marcar o festival com o selo do cinema de autor, mas não é bem assim: “Existe também cinema de género. Quisemos agradar todo o tipo de público e fornecemos informações para que as pessoas escolham o estilo que mais lhe agrada. Mas há, certamente, um gosto pelo cinema mais experimental e o desejo de destacar as cinematografias independentes dos países”.

 

Quanto ao título, obviamente extraído de um célebre “standard pop” de Rita Lee, o programador explica que ele parte da busca de um título mais atrativo para o público. “Certamente é uma referência lúdica, pois se atentarmos à poesia da canção tudo o que ela diz é para sair fora do cinema, faz-se de tudo, menos ver o filme!”, brinca.

 

UM VISLUMBRE SOBRE A PROGRAMAÇÃO COM 10 FILMES A NÃO PERDER:

 

AQUÍ NO HA PASADO NADA

 

Com uma carreira internacional iniciada em Sundance e Berlim, a obra compõem uma trilogia do realizador chileno Alejandro Fernandez Almendras sobre a Justiça. O primeiro, “Matar un Hombre”, foi eleito o Melhor Filme do IndieLisboa em 2015. Segundo Nogueira, o filme foi escolhido para sessão de abertura da Mostra por ser ao mesmo tempo acessível e intenso. Foi inspirado no caso Larraín, um mediático acontecimento no Chile em 2013 e que envolveu o filho de um senador. Em última análise, serve para debater o papel da Justiça no universo dos poderosos, que raramente se veem tentados a obedecer a lei.

 

LA FAMÍLIA

 

Estreado na Semana da Crítica, no Festival de Cannes, é uma obra venezuelana sobre a relação entre pai e filho. Eles estão em fuga após o segundo ter morto outro jovem. Como pano de fundo nesta obra de estreia de Gustavo Rondón Córdova, está o quotidiano de um país marcado pela violência.

 

VERÃO SATURNO

 

A participação portuguesa no evento ao lado da coprodução com o Brasil em “Joaquim”. A curta-metragem de Mónica Lima compõe uma sessão com “La Família” e foi revelado na programação dos curtas de Vila do Conde. Segundo o curador foi uma grata surpresa, mostrando um drama urbano sobre um músico de 35 anos prestes a desistir da carreira. Tem participação de Joana de Verona.

 

IXCANUL

 

“Vulcão” na linguagem indígena, trata-se de um surpreendente filme saída da Guatemala para o cirtuito de festivais internacionais a partir de Berlim, 2015. Conforme Nogueira, o título da obra refere-se às dificuldades de uma comunidade nos confins mantanhosos do país que sonha com uma vida melhor para lá dos vulcão – por outras palavras, o “eldorado” da terra do Tio Sam.

 

LA LUZ INCIDENTE

 

Obra argentina que o programador considera das mais acessíveis da Mostra ao grande público. Trata-se de um drama sobre uma mulher que, após a morte do marido, perde a vontade de viver. Conhece, no entanto, outro homem – ao mesmo tempo que tenta reconstruir a famíia.

 

LA RECONQUISTA

 

O representante espanhol será outro dos projetos mais palatáveis. Realizado por Jonás Truebe, parte de uma premissa romântica: com 15 anos dois adolescentes vivem um romance. Encontram-se 15 anos depois, em Madrid, e tem a hipótese de reviver aqueles momentos.

 

EL INVIERNO

 

Carlos Nogueira refere-se a este “belíssimo” filme de estreia de Emiliano Torres com mais um daqueles que investe na desconstrução dos géneros clássicos – neste caso estabelecendo uma espécie de “western” em plena Patagónia. O enredo trata de um conflito entre um velho e um jovem capataz numa quinta, onde surgem velhos temas do “western”, como a passagem do tempo e a substituição da velha geração e os seus valores pela novidade.

 

EL CANDIDATO

 

Representante uruguaio, exibindo uma sátira mordaz ao universo da política ao retratar a vida de um candidato nas eleições para o presidente do país. Com uma visão muito realista, mostra os bastidores da campanha, com uma equipa de “marketing” a construir uma personagem de ficção que nada tem a ver com qualquer ideologia. Com grande sentido de humor, o filme faz um retrato cáustico da hipocrisia na política. O realizador Daniel Heller é um dos mais famosos atores do Uruguai e colaborador frequente do cineasta argentino Daniel Burmán.

 

JOAQUIM

 

Promete o seu “quê” de polémica essa abordagem histórica de Marcelo Gomes, um dos talentos do cinema brasileiro do século XXI, sobre Tiradentes. Trata-se da revisita a um dos mitos históricos do país ao tornar-se símbolo de um dos mais icónicos movimentos da colónia contra a Metrópole portuguesa no século XVIII. Tem coprodução da Ukbar e participação de Nuno Lopes, entre outros atores portugueses. “É uma excelente oportunidade para conhecermos um pouco mais da história portuguesa no além-mar”, diz Nogueira.

 

LA DEFENSA DEL DRAGÓN

 

Escolhido para a Sessão de Encerramento, o projeto colombiano estreou na Quinzena dos Realizadores, no Festival de Cannes. O enredo gira em torno de três velhos amigos que perambulam pelo centro de Bogotá. Um acontecimento os obrigará a sair de sua rotina de negação dos seus falhanços. A realizadora Natalia Santa inspirou-se num clube de xadrez existente na cidade, onde também se confrontam a modernidade e a recusa em aderir a ela.