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IndieLisboa 2018: Milford Graves Full Mantis

por Roni Nunes, Quarta-feira, 02.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

 

Milford Graves, baterista que começou a sua carreira nos anos 60 e é considerado um dos inventores do “free jazz”, está mais conectado ao mundo dos vivos. Se na história ele é considerado o homem que libertou a batida dos tempos definidos, ele aqui conta como estas alterações estão impregnadas de uma base filosófica e experimental.

 

Jake Meginsky e Neil Young viram estrear em Roterdão essa obra que, de toda a secção IndieMusic, é das que mais tentam fazer jus, em termos de linguagem cinematográfica, a um homem que conjuga em si a rebelião com a forma. O filme desenrola-se entre iconografia sugestiva (máscaras e estátuas, africanas ou pré-Clássicas), passagens em preto-e-branco, cortes abruptos, uso do "split screen", performances a solo e um repouso no jardim onde Graves aparece pela primeira vez manifestando as suas filosofias.

 

"Milford Graves Full Mantis" exprime ainda, com longas filmagens amadoras feitas durante acontecimentos remotos, os seus conceitos inventando uma nova forma de artes marciais ou tentando atingir a emoção de crianças autistas no Japão com uma performance visceral.

 

Uma descoberta que o deixa particularmente satisfeito é o álbum “Heart Recordings”, onde um médico gravou os batimentos do coração. Graves fez os seus próprios: há de ser um dos primeiros momentos musicais saídos de uma experiência com um eletrocardiograma. Isso para estipular que se os batimentos do coração não são ordenados, porque é que a percussão haveria de ser?

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por Roni Nunes às 23:23

IndieLisboa 2018: La Mujer sin Cabeza

por Roni Nunes, Quarta-feira, 02.05.18

Artigo originalmente postado no SAPO. 

Por Roni Nunes

 

Diário do IndieLisboa: uma mulher sem cabeça e um homem com muitas ideias
 

Depois dos médicos de "A Rapariga Santa", os filmes sobre as pessoas "comuns" de Lucrecia Martel agora escolhem uma dentista, Verónica (María Onetto) como protagonista. Nas suas classes médias, pequenos dramas podem esconder grandes tragédias, bem como um estatuto social fossilizado. Neste caso, a sua heroína conduz por uma pequena estrada interior sem movimento. Quando vai atender o telemóvel sente que o carro choca com algo que ela não distingue. Pelo espelho retrovisor vê um cão morto; mas no vidro do carro estão marcas de pequenas mãos humanas.

 

Num filme de Martel essa premissa de “thriller” certamente não significa que haverá uma narrativa linear e algo semelhante ao que já se encontra às dúzias no cinema comercial. Mesmo assim, esse fio condutor serve para levar o filme – que, no entanto, enriquece noutra perspetiva.

 

O início é representativo: no momento do acidente, a câmara não larga Verónica. Não há planos gerais para situá-la num espaço abrangente nem tampouco um olhar subjetivo. O que ela vê permanece fora de campo, mas "como" ela vê é o que interessa. Pois este é o início de um processo de desintegração mental e simbólica. Em sintonia com o título do filme, a protagonista vai entrando num estado de desfragmentação da identidade e os outros vão quase impercetivelmente tomando as decisões por ela. Ao mesmo tempo, a perceção do mundo exterior vai sendo alterada – ao ponto de não saber se o que eventualmente viu ou viveu realmente aconteceu (conforme sugerido no último terço).

 

A situação também evolui ao ponto de ela ter dificuldade em reconhecer-se: enquanto todos parecem notar o mau estado do seu cabelo (uma metáfora recorrente nos filmes da realizadora), ela tenta uma transformação e um rejuvenescimento quando aparece com ele colorido e com novo penteado.

 

No todo a alteração é para pior: Martel retoma pressupostos de "O Pântano" e com os seus signos de fossilização (há uma cena brutal com um animal morto na cozinha) ligados também à questão social resume o tema num diálogo sugestivo. Quando Verónica vai visitar uma tia com Alzheimer e a sua casa infestada de "mortos" – espíritos que por lá "transitam", esta última diz: “Se vocês os ignorar, eles vão embora. Eu preferia a modernidade. Aqui você move-se e tudo à volta guincha".

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por Roni Nunes às 23:12

IndieLisboa 2018: Matangi/Maya/M.I.A.

por Roni Nunes, Quarta-feira, 02.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

 

Os "medias" não ficam muito bem na fotografia em "Matangi/Maya/ M.I.A.", de Steve Loveridge. A cantora e compositora M.I.A. poderia viver sossegada na sua qualidade de estrela pop se resolvesse fazer o que a maior parte da humanidade faria no seu lugar – borrifar-se para tudo e usufruir de fama e fortuna. Em vez disto meteu-se numa guerra contra o "establishment" da comunicação social, radicalmente intolerante a desvios da norma – ou seja, a do entretenimento acéfalo e apolítico em estado puro.

 

M.I.A. nasceu no Sri Lanka e mudou-se com a família para Londres aos oito anos para fugir de uma guerra civil destinada a uma vida longa. O pai, membro dos Tigers Tamil, ficou. Com momentos intermitentes de paz, o conflito durou quase 26 anos. Pior: terminou em acusações de genocídio à minoria "tamil", a qual pertence, crimes contra a Humanidade e a abstenção das Nações Unidas em evitar os massacres.

 

M.I.A. resolveu denunciar isso tudo nos "media" das democracias ocidentais: acabou refém de um contradiscurso (no Sri Lanka os rebeldes são designados como "terroristas") e de tentativas mais ou menos bem-sucedidas dos apresentadores de televisão ocidentais em retirar o poder dos seus discursos (há pelo menos um momento notável neste sentido exibido no filme). A situação "piorou" quando a causa foi estendida a palestinianos e povos africanos e a "rapper" garantiu, desde o seu primeiro álbum, um rígido controlo para entrar e sair dos Estados Unidos.

 

Quanto à música, também por lá anda. A cantora fala de processos de escrita e criação e o filme acompanha paralelamente uma carreira que conta com cinco álbuns a reunir um raro consenso de sucesso comercial com críticas positivas. Conforme declara no início, ela estaria enterrada no mundo do álcool e das drogas se não se expressasse convenientemente. Mais algum artista alinha?

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por Roni Nunes às 23:05

IndieLIsboa 2018: O Processo

por Roni Nunes, Quarta-feira, 02.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

Diário do IndieLisboa: dia de farsas políticas, nos gabinetes, nos “medias”, no mundo todo
 

O filme de Maria Augusta Ramos vem de uma grande ovação no Festival de Berlim e venceu por lá um prémio do público. No Brasil estreia em maio, onde, numa país politicamente muito polarizado num ano eleitoral, poderá revestir-se de um significado ainda maior. Essencialmente, "O Processo" segue os bastidores da deposição de Dilma Rousseff em 2016, revelando no conjunto a fragilidade jurídica da acusação e a execução de um plano parlamentar baseado no apoio dos grandes grupos de comunicação.

 

A referência ao famoso livro de Kafka do qual é extraído o título dá conta de um alegado crime que não se consegue provar, gerando uma procura incessante de novas razões para justificar uma condenação. O gabinete jurídico responsável por defender a então presidente Dilma Rousseff sabe desde o início que o "processo" de destituição não será uma questão legal, mas de maiorias parlamentares. E que o destino da presidente está selado desde muito antes.

 

A acusação contra ela conforme levantada pelos líderes da oposição ao governo (o principal articulador visível, Eduardo Cunha, acabaria arruinado e preso por corrupção durante o andamento do processo), sem imputação de crimes maiores, baseia-se em alguns imbróglios burocráticos presente num repasse de verbas para os agricultores. A argumentação é irrelevante.

 

A apreciação de "O Processo" não depende de "lados" onde se queira estar e esse é o grande mérito do filme. Com uma análise mais sóbria e menos fervorosa do que a princípio poderia parecer (o filme passa longe de um mero manifesto a favor de Dilma), a obra retira o primitivismo da vivência pública da política para levá-la para o campo das estratégias racionais dos gabinetes, onde a história é efetivamente decidida.

 

No mundo fora deles, no entanto, a política raramente tem a ver com estratégia e uso da razão e os "media" fazem o seu trabalho ao estimular a reação emocional através da forma como entrega uma suposta "realidade" aos espectadores de televisão. Neste sentido, há um espantoso "mea culpa" de um membro do Partido dos Trabalhadores ameio, que fala de "negligência" da máquina governamental em relação ao poder dos "media" e do falhanço nas políticas adotadas, baseadas nas concessões de canais a supostos apoiantes.

 

Obviamente o fenómeno não é brasileiro: há um depoimento de uma simpatizante (da defesa) francesa sobre ser impossível veicular material de apoio na imprensa do seu país porque "não existe imprensa livre e eles agora estão focados nos Jogos Olímpicos". Pode-se acrescentar a isso a ingenuidade de um comentário de Dilma a propósito das redes sociais na democracia pois, como se sabe, estas não fazem mais do que aquilo a que os sociólogos chamam de "ruído".

 

Se o final da história toda a gente já sabe, a emoção contida com que Dilma cita um poema de Maiakovski no dia da destituição mostra de forma clara a separação que se opera entre ruína política e dano pessoal. Se a injustiça é flagrante (derrubar por "corrupção" uma presidente sem qualquer acusação formal neste sentido), de outro há resignação aparente mediante um jogo que não poderia ter vencido. Mais do que um filme, "O Processo" é um pedaço de história em andamento, já que agora se vive um novo estágio da estratégia conservadora: a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

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por Roni Nunes às 19:44


Comentários recentes

  • Cleber Nunes

    Sem dúvida é um filme que me despertou interesse ...



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