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“Quanto mais filmes podemos ver, mais vemos os mesmos filmes.” Jean-Michel Frodon
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O início de um resumo sobre os filmes que têm passado no Festival de Cannes baseado em quem por lá anda. Foto acima: "Birds of Passage".
CANNES – DIA 1 (08/05)
Todos lo Saben: espécie de “thriller” a envolver o misterioso passado de uma família, com elenco de luxo (Javier Bardem, Penelope Cruz) e Asghar Farahdi, o iraniano responsável por uma das obras-primas do cinema recente, "A Separation". Abriu o Festival de Cannes e provocou reação mista entra os críticos.
CANNES – DIA 2 (09/05)
Yommeddine: segundo filme da Competição a surgir nos ecrás, mostra a surpreendente estreia na Competição de uma primeira obra – algo raro no Festival. Manohla Dargis argumentou que isto se deu mais pela questão árabe do que pelo filme que, no entanto, referiu com um “feel good movie” “tocante”. A. B. Shawky, de origem egípicia, foi ao Egito filmar um “road movie” sobre um leproso oriundo da colónia da cidade dedicada aos portadores da doença.
Summer (foto abaixo): Kirill Serebrennikov deu nas vistas ainda antes da exibição do seu filme, quando a sua equipa promoveu um protesto contra a sua prisão domiciliar por razões políticas na Rússia. Obra em geral elogiada, mergulha com nostalgia no universo do “rock” em Leningrado no início dos anos 80 – enquando fãs ferrenhos agarravam-se como podiam aos “standards” do “rock” ocidental – como Beatles, Doors, Velvet Underground, David Bowie – e, em cima do acontecimento, não negligenciando bandas “punks” como The Clash ou “new wave”, como Blondie. O enredo gira em torno de um triângulo amoroso.
Donbass: Um dos filmes mais elogiados da A Certain Regard – e, ao que parece, um daqueles filmes com uma temática muito forte. Sergei Lonitzsa, que teve os seus dois últimos filmes exibidos na IndieLisboa. mergulha nas memórias recentes do ataque russo à região que dá nome ao filme. Peter Bradshaw, do The Guardian, chamou de “macabro ‘portmanteau’ social-realista”.
Segundo Fabrício Duque, no Vertentes do Cinema: “Em Donbass, uma região do leste da Ucrânia, ocorre uma guerra híbrida, envolvendo um conflito armado aberto ao lado de assassinatos e roubos em larga escala perpetrados por gangues separatistas. Lá, a guerra é chamada de paz, a propaganda é pronunciada como verdade e o ódio é declarado como amor. Uma jornada pela região desdobra uma cadeia de curiosas aventuras, em que o grotesco e o drama estão tão entrelaçados quanto a vida e a morte. Este não é um conto de uma região, um país ou um sistema político. É sobre um mundo perdido na pós-verdade e identidades falsas. É sobre todos e cada um de nós”. O artigo completo está em: http://vertentesdocinema.com/2018/05/09/critica-donbass/
Rafiki (foto abaixo): obra queniana da A Certain Regard que, ao que tudo indica, empolgou mais pelo tema e pelas consequências no seu país do que pela qualidade – em obra caracterizada como uma narrativa banal por alguns críticos. De qualquer forma, o esforço de Wanuri Kahiu serviu para mostrar, através de um romance entre duas mulheres, a enorme repressão contra os homossexuais no seu país – onde o preconceito tem base jurídica. O filme foi proibido no seu país e a cineasta nem chegou a lamentar – dizendo que a sua própria família poderia ficar em risco se isso acontecesse. Pormenores da produção podem ser lidos no C7nema (http://www.c7nema.net/producao/item/48567-se-adicionares-uma-cena-de-violacao-nos-colocamos-o-dinheiro-as-queixas-da-realizadora-do-filme-lesbico-queniano-presente-em-cannes.html).
Wildlife: estreado em Sundance o début na realização de Paul Dano abre também a Semana da Crítica com um drama familiar ambientado nos anos 50. O protagonismo cabe a Jake Gyllenhall e Carey Mulligan – um casal feliz que começa a desintegrar-se quando o primeiro é demitido e não consegue lidar com a crise do seu papel masculino de prover o sustento da família. O drama é observado pelo filho adolescente. A obra já tinha reunido consenso positivo quando da sua estreia em Sundance.
One Day: a antiga assistente de realização de Ildiko Enyedi, a realizadora húngara vencedora do Urso de Ouro no Festival de Berlim do ano passado, Zsofia Szilagyi chega à Semana da Crítica com um drama feminino. Narra a história de uma professora com três filhos que não tem tempo para nada e está à beira do caos. Segundo o Hollywood Reporter, através de Boyd van Roej, a cineasta consegue um excelente trabalho ao usar câmara na mão e um “design” sonoro repleto – que reforça o dia-a-dia exaustivo da protagonista.
Dead Souls (foto abaixo): Sarah Ward, do Screen Daily, compara esta obra de mais de oito horas de Wang Bing a “Shoah” de Lanzmann e diz que ele não poderia ter menor duração para não perder a acutilância. Wang Bing começou em 2005 as filmagens e gravou em três anos 120 entrevistas com os sobreviventes dos campos de correção de Mao-Tsé Tung no final dos anos 50. Estes, localizados no deserto de Gobi, sediaram tristes histórias de fome e recitações de horas a fio dos ditames de Mao – em mais uma amostra do totalitarismo em funcionamento nos antigos regimes comunistas. Apresentado como uma sessão especial em Cannes.
Birds of Passage (foto de abertura): A Variety (Peter Debruge) diz que a obra corealizado por Ciro Guerra (três anos depois de “O Abraço da Serpente”) e a sua esposa Cristina Gallego é um épico sobre o trânsito das drogas na fronteira “como nunca se viu antes”. Atualmente com séries como “Narcos” e outros produtos sobre o assunto, segundo Debruge trata-se de um olhar “fresco” e visualmente deslumbrante, cuja história remonta aos tempos do tráfico pré-Pablo Escobar, na Colómbia. Obra apresentada na Quinzena dos Realizadores e globalmente elogiada.
DIA 3 (10/05)
Sorry Angel: na Competição Chrisophe Honoré empolgou muitos críticos com uma narrativa sobre a relação homossexual entre um escritor e um rapaz mais novo. O título original é “Prazer, Amar e Correr Rápido” e, segundo Fabrício Duque, do “Vertentes de Cinema”, “A maestria é definitivamente seu argumento com suas informações literária-cinematográfica-filósofas que se metaforizam na construção atual dos personagens”.
Ainda na sua descrição: “Jacques (o ator Pierre Deladonchamps) é um escritor que vive em Paris. Ele não completou 40 anos, mas desconfia que o melhor da vida ainda está por vir. Arthur (o ator Vincent Lacoste) é um estudante (como Rimbaud), “ultra-sentimental” de vinte anos que mora na Rennes. Ele lê e sorri muito e se recusa a pensar que tudo na vida pode não ser possível. Jacques e Arthur vão gostar um do outro. E conversar muito de Ginsberg a Whitman em verborrágicas adjetivações. E ir ao “Act Up” (que é “mais excitante que conhecer as catacumbas”). Assim como em um lindo sonho. Assim como em uma história triste”.
Artigo completo em: http://vertentesdocinema.com/2018/05/10/cannes-2018-sorry-angel/
Cold War (imagem abaixo): Pawel Pawlikowski volta a agradar os especialistas cinco anos depois da fulgurante carreira internacional de “Ida”. Dele pode esperar-se beleza plástica a preto-e-branco mas também uma história de amor irregular ao longo de várias décadas. Diz Paulo Portugal em Insider: “… intensa e irregular história de amor entre Wiktor e Zula, excelentes Tomasz Kot e Joanna Kulig, ao longo de um período suficientemente longo, desde o pós-guerra e consequente início da cortina de ferro, na Polónia, passando depois para uma Berlim dividida e uma bucólica Paris e Jugoslávia”.
Border: filme sueco promissor, do mesmo realizador de “Shelley” – estreado no Festival de Berlim de 2016 e exibido em Portugal no âmbito do Motelx. Novamente com contornos terroríficos, é o grande vencedor da Mostra A Certain Regard e globalmente bem-recebido.
Escreveu Pablo Villaça no seu site Cinema em Cena: “Se em Shelley, sua estreia na direção, o iraniano Ali Abbasi já havia realizado uma incursão curiosa no gênero terror ao acompanhar uma gravidez cercada por incidentes atípicos e ambientada em uma cabana afastada de tudo graças ao estilo de vida ubervegano dos pais da criança, desta vez ele atinge um resultado ainda mais interessante ao repetir alguns daqueles elementos (gestação, locações marcadas pela presença da Natureza, eventos cuja explicação desconhecemos) e aplicá-los a uma narrativa que parte do drama, cruza o horror e se atira no fantástico ao mesmo tempo em que funciona como um tocante estudo de personagem.” O artigo completo está em: http://cinemaemcena.cartacapital.com.br/coluna/ler/2414/festival-de-cannes-2018-dia-03
Sextape: na A Certain Regard, um dos filmes mais odiados de Cannes – embora veículos como Cineuropa tenham encontrado nele qualidades. Todd McCarthy, do Hollywood Reporter, disse que a única razão para este projeto francês ser levado a sério em Cannes é o facto das personagens femininas terem assumido o controlo da sua sexualidade no filme – “dando o troco” ao machismo típico. O facto reveste-se de importância pelo facto de elas serem francesas muçulmanas. Já Pablo Villaça fez um violento ataque ao filme no Twitter. Obra de estreia de Antoine Desrosieres.
Artic (foto abaixo): uma das Sessões da Meia-Noite do festival, com Mads Mikkelsen a viver um solitário piloto despenhado na devastadora imensidão gelada do Ártico. Segundo o Guardian, o filme consegue acrescentar novos elementos aos filmes de sobrevivència – uma das muitas avaliações positivas ao filme. Curioso é o “background” do realizador Joe Penna, que estreia no cinema depois de ser um famoso “youtuber” nos seus primórdios, com o seu programa Mistery Guitar Man.
DIA 4 (11/05)
The Image Book: Cannes 2018 está a ter a sua grande quota de projetos polémicos e os seus acontecimentos. Mais do que um filme, no entanto, Jean-Luc Godard é um evento em si próprio – particularmente através de uma conferência pormenorizadamente descrita por João Lopes para o Diário de Notícias (https://www.dn.pt/artes/interior/godard-um-grande-filme-e-uma-conferencia-por-telemovel-9334953.html).
Quanto a “Image Book”, foi amor ou ódio - com muitos críticos a reclamarem do facto do realizador estar a fazer "mais do mesmo". Um dos que gostaram foi Peter Bradshaw, do Guardian, que escreveu que “o veterano autor retorna a Cannes com o seu último filme-ensaio, um mosaico de clips e fragmentos emprestam urgência e o horror de um filme de terror.
My Favorite Fabric: obra da realizadora síria Gaya Jiji, que mergulha no pantonoso terreno da sexualidade feminina no mundo muçulmano. O filme narra história de uma mulher de 25 anos que, durante a Primavera Árabe em Damasco, sonha em ir para os Estados Unidos graças a um casamento arranjado. Quando este não ocorre, ela aproxima-se de uma nova vizinha, que abre um bordel ao pé da sua casa… Lisa Nesselson, do Screen Daily, que fez referências a “Belle de Jour” na sua crítica, fala num “conto sutilmente devastador”. Obra d'A Certain Regard.
Treat me Like Fire: em francês “Jouers” (Players), obra de estreia da realizadora Maria Monge – com um pé no “noir” e Tahar Rahim e Stacy Martin nos papéis principais. O filme passa-se no universo do jogo – onde ele é um jogador inveterado a viver em péssima companhia. Segundo Jessica Kiang, da Variety, o filme é melhor apreciado se visto como uma variante dos arquétipos do filme “noir” – onde, para começar, é o homem quem assume o papel antes destinado à “femme fatale”. Exibido no âmbito da Quinzena dos Realizadores.
Another Day in Life: os representantes lusitanos em Cannes parece que deixaram escapar essa Sessão Especial de especial interesse sobre a guerra colonial. Segundo o Hollywood Reporter (Jonathan Holland): “In Another Day in Live” a palavra portuguesa para “confusão” é usada para descrever a anarquia e o caos nas zonas de conflito na guerra colonial angolana. O filme tem 60 minutos de animação e 20 minutos de entrevistas, com mais 80 minutos sobre o jornalista Ryszard Kapuscinski, o qual escreveu o livro no qual se baseia o filme. Segundo o THR o resultado é “espetacular”.
DIA 5 (12/05)
Girls on the Sun (foto acima): filme vaiado de Eva Husson, que na mesma moeda mandou os críticos “se lixarem”. Segundo a sinopse de Pablo Villaça no Cinema em Cena: “Inspirado em fatos reais, o argumento (também escrito pela diretora Eva Husson) segue uma jornalista francesa, Mathilde (Emmanuelle Bercot), que se especializou em fazer coberturas de guerras, chegando a perder um olho durante uma de suas missões. Interessada na existência de um pelotão formado exclusivamente por mulheres que foram mantidas como prisioneiras/escravas sexuais pelos extremistas no Curdistão e que, depois de escaparem, juntaram-se à luta contra estes”.
O artigo completo está em: http://cinemaemcena.cartacapital.com.br/coluna/ler/2415/festival-de-cannes-2018-dia-04
Já sobre as vaias Eva Husson disse Hugo Gomes, no C7nema: “Que se lixem [os críticos]. Já superei isso. As audiências gostaram, tivemos 17 minutos de ovação, foi um momento muito especial. Houve pessoas em lágrimas, que se dirigiram a mim emocionadas com o filme, outras - vítimas do genocídio - contaram-me as suas histórias. Por isso, que se lixe isso!”.
Angel Face: n’A Certain Regard Marion Cotillard acompanhou Vanessa Filho na sua estreia na realização – vivendo uma mãe irresponsável, na Riviera, que negligencia a filha de oito anos e passa a vida em festas e bebedeiras – ou então em frente da TV… embebedando-se. Não foi muito bem recebido em lugar nenhum este trabalho – e até o Cineuropa (conforme Benedict Crot), que até foi gentil com o odiado “Sextapes”, manifestou incompreensão pela seleção do filme uma vez que até mesmo Cotillard compõe a sua personagem de forma pouco credível.
Sem dúvida é um filme que me despertou interesse ...