Cada vez mais revisões históricas apelam para análises de aspetos tradicionalmente negligenciados pelos manuais de História e pelas abordagems artísticas em geral.

 

O realizador francês Xavier Beauvois (o mesmo do aclamado "Dos Homens e dos Deuses") propôs-se, em "As Guardiãs", que chegou às salas portuguesas, uma abordagem sobre um dos conflitos mais sangrentos de sempre, a Primeira Guerra Mundial (então conhecida como a Grande Guerra), pelo prisma não de quem foi para a frente de batalha, mas de quem ficou para trás: idosos, crianças e, principalmente, mulheres, a quem cabia assegurar o sustento, as duras lidas no campo e, pior que tudo, aguardar tempos intermináveis por notícias – que podiam ser as piores possíveis.

 

Estreado no último Festival de Toronto e a chegar esta semana às salas potuguesas, trata-se de uma proposta dramática cadenciada e equilibrada, visualmente construída ao pormenor (a fotografia é de Caroline Champetier), sobre a dura realidade dos tempos de guerra em geral, das mulheres em particular.

 

Um dos pilares dramáticos é a jovem atriz Iris Bry, que faz uma estreia de relevo e contracena à altura com veteranas como Nathalie Baye sem nunca antes ter pisado num “set” de filmagem. A sua personagem, Francine, mais do que o trabalho braçal executado de forma estoica na quinta, trará também desestabilização familiar.

 

Em Lisboa para antestreia, Iris Bry conversou com o SAPO Mag.

 

"As Guardiãs" é um filme sobre mulheres fortes que não têm muito tempo para lamentar as suas perdas ou dar atenção aos seus desejos. A sua personagem é um exemplo deste comportamento estoico.

 

 

É também um filme de mulheres que assumem um novo papel na sociedade francesa enquanto os homens estavam fora. A sua personagem tem um papel forte, nomeadamente quando diz que o filho terá o seu nome.

 

Sim, é muito importante. Naquela época havia muitas “filhas-mães”, mulheres que se encontravam sozinhas porque os maridos morriam e muitas famílias que se encontravam órfãs de pai, irmão, etc. Por isso é importante que ela lhe queira dar o seu nome e isso é absolutamente novo, uma vez que, até então, as mulheres tentavam dar um batismo aos seus filhos de forma a que não carregassem um nome “problemático”. No caso do filme é absolutamente excecional uma mulher que não só educa o seu filho sozinha, mas que, ainda mais, quer dar-lhe o seu nome, com tudo o que isso implica em termos de condição social.

 

Foi o seu primeiro projeto. Como foi a sua entrada?

 

Isso tudo foi bastante grandioso, porque nunca tinha postos os pés num “plateau” de cinema. Não sabia o que era, não conhecia a hierarquia do mundo do cinema.  Não sabia dizer o que, numa rodagem, faz o assistente de câmara, o editor… Não tinha noção nenhuma e de repente encontro-me numa “set” com um grande realizador e uma equipa de altíssimo nível, que incluía Caroline Champetier e Anaïs Romand – uma das maiores especialistas francesas de figurinos de época. Foi grandioso e deixei-me levar pela experiência, queria deixar-me surpreender, descobrir. Nos primeiros dias tentei compreender como é que funcionava e é incrível para alguém habituado às cadeiras do cinema encontrar-se do outro lado e dizer ‘Ah, afinal é assim que funciona. Muito bem…’. Foi verdadeiramente novidade em estado puro.

Iris Bry em Lisboa

 

Como é que foi trabalhar com a Nathalie Baye?

 

Foi muito agradável, porque a Nathalie é alguém muito simples, calorosa e simpática. No início foi muito impressionante e depois, bastante depressa, tivemos algumas conversas entre cenas, um pouco fúteis da vida de todos os dias… É parvo de dizer, mas depois torna-se uma colega de trabalho, no sentido em que trabalhamos juntas pelo filme. Sim, é Nathalie Baye, mas partilhamos coisa tão estranhas – como quando apanhamos estrume as duas [risos]. Este tipo de ações no filme que fazem com que tenhamos uma ligação muito simples às coisas. Afinal, estávamos o tempo todo numa quinta de tamancos…