Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

calendário

Maio 2019

D S T Q Q S S
1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031


Pesquisar

 


Entrevista com Fernando Vendrell; amor e morte na Évora dos anos 50

por Roni Nunes, Quinta-feira, 29.03.18

Entrevista originalmente postada no Sapo.

 

“Aparição” estreou nas salas portuguesas na última quinta-feira.

 

A adaptação da obra de Vergílio Ferreira mergulha na vida de Évora dos anos 50, abordando a vida de um jovem professor idealista cujo destino cruza-se com o de três irmãs dentro de um ambiente repressivo e conservador.

 

O SAPO Mag conversou com o realizador, Fernando Vendrell, sobre a sorte de ter Victória Guerra como o vulcão feminino que provoca o descontrole do protagonista (vivido por Jaime Freitas, protagonista de outro trabalho recém-estreado, “Amor Amor”), as muitas questões agradavelmente filosóficas propostas pelo material de origem e até alguns episódios caricatos, como “um obsessivo grafiteiro de Évora” que andou a atrapalhar a produção…

 

 

 

RECUO NO TEMPO E NO ESPAÇO

 

“Este filme representa uma rutura na minha carreira”, diz Vendrell.

 

“As minhas três primeiras longas-metragens ["Fintar o Destino", 1998; "O Gotejar da Luz",  2002; "Pele", 2006] fecham entre si um ciclo africano, que abordava questões de identidade e colonialismo”, recorda.

  

A preocupação de estar a adaptar uma obra que pudesse parecer fora de tempo ao espectador atual esteve presente desde o início.

 

“Nós fizemos um esforço para ser contemporâneo. No início havia essa ideia de estar a adaptar um romance datado, de estar a produzir um filme que as pessoas veriam por obrigação – até por ser muito difícil para os atores falarem da forma como os diálogos estavam no livro”, explica o realizador.

 

Com esse sentimento em mente, o guião inicial, que reproduzia vários diálogos do próprio livro, foi sendo reescrito.

 

“Hoje pode-se perceber no filme que existe um grande diálogo com a contemporaneidade – de uma forma diversa há muitos temas que permanecem. Hoje não há censura, castração, repressão, mas ainda existem sistemas na sociedade que não nos obrigam a pensar, dificultam a afirmação da diferença e não capitalizam da melhor forma as valências e energias próprias da juventude”, observa.

 

 

DO HUMANISMO AO INDIVIDUALISMO

 

Sem atirar-se de uma forma cega no “fait-divers”, “Aparição” não descura os elementos filosóficos. Nos anos 50, o humanismo e a fé no futuro iam cedendo terreno a outros valores e a própria obra de Vergílio Ferreira trata essa transição.

 

Como analisa o cineasta, “essa obra é em si já um momento de mudança na carreira do escritor, que caminha em direção ao neorrealismo, onde havia questões humanísticas de alguma forma ligadas a questões sociais de igualdade, solidárias. E passou para um conteúdo muito mais filosófico, mais ligado ao individualismo, à sua maneira de ser e ao significado da vida”.

 

Assim, “no romance ele auto ironiza-se, pois projeta-se, para além do protagonista, em personagens de pendor neorrealista que acham um absurdo ele estar com essas preocupações idiossincráticas e filosóficas, quando o que é importante é que o homem tenha pão para comer, tenha orgulho próprio”.

 

AMOR E MORTE

 

Há romance e morte.

 

Antes do amor, “Aparição” apresenta uma aguda perceção do protagonista masculino acerca de sua transitoriedade.

 

Explica Vendrell: “Há essa ideia da experimentação da morte, de confrontação, no sentido de descobrir um lado irascível para se sentir vivo. O que ele chama de ‘aparição’ é um ato filosófico, de dissociação entre ele a realidade que o cerca, entre ele e a sua vida”.

 

E então há a paixão, particularmente personificado por Victória Guerra a fazer de Sofia, uma de três irmãs que, de certa forma, vão interferir na vida do professor.

 

“A Sofia é uma força brutal do livro. Ela dá uma mancha muito forte na vida dele através da sua imprevisibilidade, da sua incapacidade de controlo. Ela representa paixão, carnalidade, espírito vivo”, detalha o realizador.

 

Certamente cabe aqui também à atriz, um dos jovens talentos da produção audiovisual portuguesa, dar vida de forma intensa à essa personagem explosiva.

 

“A Victoria Guerra foi uma ‘aparição’”, brinca o realizador. E acrescenta: “Foi uma sorte ter conseguido conciliar a agenda para fazer o filme, pois ela própria tem uma força pessoal enorme que certamente ajudou na caracterização da personagem”.

 

 

O GRAFITEIRO DE ÉVORA

 

Para a escolha de Évora numa fase muito inicial do projeto contou o fascínio da arquitetura local.

 

“Ela tem aquele exotismo, mas não é uma cidade mediterrânica típica, uma vez que apresenta também alguma monumentalidade ligado ao classicismo. Fui escolhendo os 'décors' em função de uma cidade imaginária, como se estivesse perdido num labirinto arquitetónico”, lembra Vendrell.

 

Se a arquitetura já lá estava, utilizá-la não foi assim tão simples, apesar de alguns “golpes de sorte”: o icónico café Arcádia, por exemplo, está muito modificado e a cena onde ele entra foi filmada em Montemor. Há o turismo endémico, automóveis, marcas no chão e… um grafiteiro – compondo um episódio desagradavelmente anedótico da produção.

 

“Tivemos apoio da Câmara para limpar as paredes, mas quando chegávamos para filmar no dia seguinte as superfícies estavam pintadas outra vez! Havia um grafiteiro obsessivo em Évora!” [risos], conclui.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 20:37

A história de um filme que (infelizmente) termina depressa demais

por Roni Nunes, Quinta-feira, 14.12.17
 
“Verão Saturno”, de Mónica Lima, tem apenas 30 minutos, mas foi um dos bons acontecimentos da Mostra de Cinema Ibero-americano.
 
 

Revelado na programação do Curtas de Vila do Conde, "Verão Saturno", de Mónica Lima, tem apenas 30 minutos.

 

Quem não o conseguiu ver durante a Mostra de Cinema Ibero-americano, que decorre no cinema São Jorge, em Lisboa, até dia 16, terá nova hipótese: há uma sessão na Cinemateca Portuguesa, dia 21. Aí será exibido com mais três obras na programação "O Dia mais Curto".

 

Esta obra de ritmo fluído e sem as presunções frequentes de um certo cinema de nicho lusitano tem apenas um defeito: quando o espectador, envolvido pelas múltiplas linhas abertas pelo argumento, ainda está imaginar os desenlaces possíveis, ele é subitamente lembrado que se trata de uma curta-metragem.

 

O SAPO Mag conversou com a realizadora no cinema São Jorge, que disse estar a trabalhar numa longa-metragem. De resto, entrevista e filme tratam de um tema pertinente, na qual Mónica Lima revê-se, sobre a situação daqueles que não deixam de perseguir os seus sonhos.

 

Promessas não cumpridas

 

O enredo de "Verão Saturno" conta a história de Samuel (Jaime Freitas). Ele vive na Alemanha com a namorada (Joana de Verona) e vem a Lisboa para um concerto. Fica na casa da mãe dela (Rita Loureiro). Há uma tensão sexual e aquilo que é o foco do filme: o duro de processo de continuar a sonhar com a arte contra todos as questões de ordem prática.

 

"O filme aborda sobretudo a crise dos eternos jovens, entre os 30 e 35 anos, de pessoas que têm desejos que não conseguem cumprir, promessas eternas por viver”, observa a realizadora. “E, quando se é artista, mais complicado é. O protagonista que vive nesta ambivalência”.

 

Quanto a este, ele é um músico independente [as canções originais são do guitarrista Filipe Felizardo], a sua namorada é estudante e já mudou de curso várias vezes. Não se trata de exigência a mais desta geração?

 

“O problema é que nos foi prometido muito mais que isso", recorda. "Disseram que se estudássemos tudo ia correr bem, que íamos atingir o máximo do potencial e acreditámos nisto. Portanto é mais do que válido continuar a alimentar essa expectativa. Depois descobrimos que não é assim, não há de facto uma repercussão pragmática que nos permita pagar as contas.”

 

 

Os artistas perdidos na sociedade contemporânea

 

Hoje, com o turbilhão de meios e vozes, como um novato pode ser reconhecido?

 

“Todo o criador acredita que o que faz é bom e que vai fazer a diferença. Esse é a loucura e é impossível dizer-lhe que é melhor não fazer arte porque não vai conseguir sustentar-se. Essa mensagem nunca vai ter significado. Eu sou romântica a esse nível, acho que a vontade de produzir vai ser sempre maior”, defende.

 

No entanto, Mónica Lima também reconhece: “Os artistas não vão deixar de existir, mas eles também são uma figura que anda meio perdida na sociedade contemporânea. Gosto desta personagem porque deambula por este mundo sem encontrar realmente um equilibro entre sonhos e expectativas e estas necessidades pragmáticas de sustento”.

 

O novo projeto da realizadora tem o título provisório de “O Último Dia de Todos os Dias” e já teve o argumento premiado pelo ICA. A escrita vai decorrer durante 2018.

 

Sobre aquela que possivelmente será a sua primeira longa-metragem, relata: “É uma comédia negra sobre fantasmas, famílias e uma casa à espera de uma mulher que, depois de vários anos ausente do país, é suposto regressar. Mas ela nunca mais aparece. O filme acontece no tempo de espera desta personagem, com alguns elementos de uma comédia de costumes”.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 23:37

Entrevista "Verão Danado": Míssil sensorial de Pedro Cabeleira atinge cinemas portugueses

por Roni Nunes, Sexta-feira, 01.12.17

Postado por Roni Nunes em SAPO Mag.

 
 

Enquanto o inverno toma forma em Portugal, o circuito comercial de cinema recebe o verão interminável da juventude na proposta de estreia de Pedro Cabeleira: "Verão Danado" tem agradado um pouco por todo lado, no Festival de Locarno aos que já o viram por cá em antestreia. A ver se espalha as suas andorinhas à base de MD pela noite polar da distribuição/exibição em terras lusas.

 

Chico (Pedro Marujo, também em estreia) sai da terrinha para estudar em Lisboa. Na sua última vinda a capital conhece o universo dos “ravers”. Anda de festa em festa. Mais ou menos deslumbrado, de vez em quando ressacado – por vezes despreparado para a dinâmica volátil da noite. E é isso.

 

Diz o cineasta, não totalmente a sério: “Gosto da noção da odisseia, do sujeito que sai da terra para uma grande aventura. Os “MDs” são como as sereias a acenar para ele...!”

 

Pedro Cabeleira escolheu músicas do DJ Nigga Fox e ritmos “afrobeat” para embalar os seus jovens – até garantir um brilhante momento-surpresa com o DJ Mr. Gee. Uma poesia do século XXI não poderia vir de um poeta.

 

Foi uma descoberta fortuita na pós-produção”, diz. “De repente percebi que aquele poema tinha tudo a ver com filme e fiquei arrepiado”.

 

 

De personagens ilustres há Nuno Melo, numa pequena participação gravada quatro meses antes do ator falecer.

 

Ele havia entrado no meu filme de conclusão da universidade. Mais uma vez disse que não tinha dinheiro para pagar, mas ele aceitou na mesma. Era uma pessoa incrivelmente bem disposta”, assinala.

 

De resto, será um hino à geração do hedonismo-que-vazio-horrível-dentro-de-mim? Também isso. Mas há mais sereias nesta odisseia com os seus longos e violentos momentos de festa. “Se era para mostrar uma festa tinha que ser uma a sério”, diz o anfitrião.

 

O realismo orgânico e os blocos da criação

 

Se a graça da criação é reinventar sobre o que já existe, os caminhos de Pedro Cabeleira já andam por aí há tempos. Trata-se daquele realismo orgânico com personagens-que-podiam-ser-o-nosso-vizinho que tem em autores como Richard Linklater a sua via “mainstream” e na epidémica docuficção o seu reduto festivaleiro.

 

Em “Verão Danado”, a dinâmica entre composição visual, diálogos e interação entre personagens é complexa. O realizador explica: “A ideia era trabalhar por blocos, o ponto de partida foram quatro ou cinco blocos que tivessem intensidade dramática ou sensorial – de achar que momentos tinham impacto cinematográfico.”

 

Assim, “dois blocos relacionam-se com as duas festas, outro sobre a situação com a rapariga onde queria filmar rostos, um quarto com a ideia da terra natal, simbolizando um personagem que sai para a capital, e o jogo de futebol – para mostrar uma relação de amizade e euforia sem drogas. A composição dos personagens veio a seguir”.

 

A juventude e o verão “never ending”

 

O filme como um todo apresenta-se como uma metáfora própria do estado de juventude, com a sua ideia de presente eterno.

 

Diz Pedro Cabeleira: “A ideia é que aquilo pode parecer uma espécie de um verão interminável, 'never ending', de festa em festa. Isto porque, de repente, há ali uma rotura com uma ideia de rotina. O Chico sempre foi uma pessoa rotinada, teve os pais, depois a escola, foi para a universidade. De repente ele fica órfão porque as instituições desaparecem e se ele não arranjar um emprego, este estado pode-se prolongar ‘ad eternum’. É um período muito característico da vida das pessoas e senti que pode ser algo muito violento, um choque, um período de transição muito estranho”.

 

 

A liberdade do imediato

 

De qualquer forma não há em Verão Danado" uma crítica moralizante em torno destes jovens.

 

Não queria mostrar isso de uma forma destrutiva, há uma energia naquelas pessoas, naquele período da vida, uma liberdade que não se volta a ter. Eles não estão agarrados a nada material, ninguém tem dinheiro, eles não estão a planear viagens ou ir à praia. Só querem estar ali, o que é uma coisa bonita e específica daquele período. Claro que é muito romântico a ideia de viver assim para o resto da vida o que, dado a forma de organização do nosso sistema social, é completamente impossível”.

 

O eterno vazio da juventude pós-moderna

 

Esse tempo “infinito” expõe também a fragilidade das novas gerações.

 

Hoje em dia queremos demasiado. Os nossos avós e antes deles estavam concentrados em pôr comida na mesa. Os nossos pais já se preocupavam em ter uma casa própria, um carro, pôr os filhos na universidade. Já a nossa geração quer ser extraordinária, não conseguimos perceber o quão privilegiados somos por termos nascido nesse tempo. Desejar ser extraordinário pode-nos colocar numa insatisfação permanente”, avança Pedro Cabeleira.

 

Da mesma forma, o filme não é meramente sobre o uso de drogas – embora elas estejam fortemente conectadas com um dos seus temas centrais, o hedonismo.

 

As drogas aqui potenciavam uma série de possibilidades em termos de cenografia e realização. O MD, por exemplo, possibilita aquela sequência de 20 minutos onde posso brincar com o som. Já para os personagens é uma forma de refúgio de uma coisa qualquer, lidam constantemente com um vazio que tem que preencher. A droga garante satisfação imediata”.

 

 

O baile de máscaras e a desfragmentação da identidade

 

Num dado momento, Chico diz que se encontrasse aquelas pessoas fora do ambiente da festa não as reconheceria.

 

Pedro Cabeleira explica: “O que acontece nestas festas é uma abstração da questão da identidade: às vezes as pessoas adquirem outra 'persona', uma oportunidade de se mostrarem de maneira não o podem fazer durante o dia. É como um baile de máscaras moderno, encontrar aquelas pessoas de outra forma seria estranhíssimo”.

 

“Verão Danado” é o primeiro filme distribuído em sala pela plataforma Filmin e estreou esta semana.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 22:27

Doclisboa 2017: Bárbara Virgínia, a primeira cineasta portuguesa, foi "apagada" da História

por Roni Nunes, Terça-feira, 24.10.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/doclisboa-revela-barbara-virginia-a-primeira-cineasta-portuguesa-apagada-da-historia)

 

Bárbara Virgínia não foi só a primeira realizadora de uma longa-metragem em Portugal, como também foi selecionadoa para a 1ª edição do Festival de Cannes. Mas ninguém sabe quem foi ela. Luísa Sequeira foi atrás da resposta e apresenta “Quem É Bárbara Virgínia?”. O SAPO Mag conversou com a documentarista.

 

 

Quem for pesquisar na Wikipédia em inglês sobre a lista de filmes da edição inaugural do Festival de Cannes (1946), vai encontrar lá “Três Dias sem Deus”, de Bárbara Virgínia. Está ao lado de Alfred Hitchcock, Billy Wilder, Jean Cocteau e do clássico neorrealista de Roberto Rossellini, “Roma, Cidade Aberta”. Muito ilustrativo: ao lado de todos estes mestres e outros um pouco menos conhecidos, o de Bárbara Virgínia é o único a não ter uma hiperligação que explique, afinal, quem é esta ilustre desconhecida.

  

Esta pergunta está no título "Quem É Bárbara Virgínia?" e lança uma série de questões na abertura do filme de Luísa Sequeira: quem foi afinal essa mulher que numa sociedade patriarcal logrou realizar um filme? E por que desapareceu? Onde estaria ela?

 

Bom, essa última questão é parte da premissa do projeto: Bárbara Virgínia vivia em São Paulo, no Brasil. “Estava a trabalhar num projeto sobre a mulher no cinema português”, conta Sequeira. “Uma das pioneiras na realização foi Bárbara Virgínia e, no entanto, descobri que estava a viver em São Paulo e percebi a urgência de estar com ela e de fazer este documentário. Esse foi o meu ponto de partida e o restante foi um processo de colaboração com pessoas que me ajudaram e que fazem parte deste filme.”, completa.

 

Salazar: “Mulher casada que concorre com o marido causa a ruína da família”

 

“Quem É Bárbara Virgínia?” segue uma investigação e não vale contar muito sobre o que Sequeira vai descobrindo. Alguns factos são notórios: para além da citada seleção para o festival da Croisette, “Três Dias sem Deus” causou furor na própria sociedade portuguesa. É uma história incrível de esquecimento.

 

“Sim, a história da Bárbara foi completamente esquecida, assim como a história de muitas outras mulheres… E o facto de ter realizado e protagonizado um filme com apenas 22 anos e ter estado na seleção do festival de Cannes na primeira edição é incrível! Além de ser a única mulher a realizar uma longa-metragem na altura da ditadura”, observa.

 

Mas a história de Bárbara vai mais além: “Ela queria fazer mais filmes, era uma artista multifacetada e com um talento enorme. Uma mulher muito determinada e com muita personalidade, isto num país que vivia uma ditadura onde nem todas mulheres podiam votar, num país que não permitia à mulher viajar para o estrangeiro sem autorização do marido.”

 

O filme destaca em mais do que um momento a relação entre este Estado opressor e o destino que acabou por ter essa mulher ativa e independente.

 

Diz Sequeira: “Portugal era um país muito conservador, o próprio Salazar declarava: ‘Nos países onde a mulher casada concorre com o trabalho do homem, a instituição da família ameaça a ruína’ . No entanto Bárbara conseguiu fazer uma longa-metragem, queria fazer mais filmes, mas em Portugal não havia lugar para mulheres como ela, por isso é que ela foi para o Brasil, onde teve outras oportunidades.”

 

A mulher no século XXI

 

“As mulheres foram, durante muito tempo, deixadas na sombra da História. Aliás, a História é escrita no masculino. Para construirmos o presente temos de olhar para o passado mas lançar um olhar mais crítico sobre as fontes”, observa a cineasta.

 

E, passados todos esse anos, o que o presente reserva à mulher no audiovisual português? “Infelizmente ainda hoje se verificam múltiplas formas de descriminação das mulheres. É só olhar à nossa volta e ver qual a percentagem delas em cargos de decisão em diferentes áreas. As medidas sociais ainda não são as ideais… Claro que estamos muito melhor e temos mulheres a trabalhar no audiovisual, que fazem um excelente trabalho, mas ainda assim acho que deveríamos ter muitas mais”, refere Sequeira.

 

“Quem É Bárbara Virgínia?” tem sessões no âmbito do Doclisboa nos dias 25 e 29 de outubro. É apresentado com os 26 minutos que restaram de “Três Dias sem Deus” e com a curta-metragem “A Aldeia dos Rapazes”.

 

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 21:47

Doclisboa 2017: I Don't Belong Here

por Roni Nunes, Sábado, 21.10.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/doclisboa-exibe-filme-sobre-a-dura-vida-dos-deportados-acorianos)

 

Doclisboa: a dura vida dos deportados açorianos

"I Don’t Belong Here" conta a história de açorianos expulsos dos Estados Unidos e do Canadá. De volta às ilhas, são obrigados a integrar-se num país que nunca conheceram. O SAPO Mag conversou com o realizador, Paulo Abreu.

 

 

“I Don’t Belong Here”, presente na Competição Portuguesa do Doclisboa, conta a história de açorianos expulsos dos Estados Unidos e do Canadá. De volta às ilhas, são obrigados a integrar-se num país que nunca conheceram. Para aliviar a situação, um grupo de teatro convida-os para fazer uma peça… O SAPO Mag conversou com o realizador, Paulo Abreu.

 

Segundo o filme relata, entre 2013 e 2015 centenas de imigrantes ficaram retidos nos Açores depois de terem sido expulsos da América do Norte. A viver numa situação precária, ficaram afastados da única realidade que conheciam – uma vez que saíram de Portugal quando crianças pequenas.

  

A maior parte deles nem sequer fala português; outros deixaram para traz famílias e, essencialmente, tudo o que tinham. Para além destas dolorosas questões pragmáticas, o filme espelha a questão da identidade – muita reveladora no jogo de futebol entre Portugal e Estados Unidos, que divide a audiência.

 

Um trabalho com um grupo no teatro, no entanto, aliviou um bocado a vida de alguns deles ao permitir-lhes, com base na partilha de experiências, desenvolver um trabalho de interpretação como atores. No final, houve até dois deles que foram selecionados para o novo filme de Bruno Almeida (o mesmo de “Operação Outono”).

 

Na entrevista que se segue, Paulo Abreu conta os pormenores de uma história de contornos dramáticos.

 

O futebol é chato e os Açores parecem Alcatraz

 

“Como a grande maioria deles saiu dos Açores com quatro ou cinco anos, a sua cultura é totalmente americanizada. Apesar de as raízes serem açorianas, toda a educação foi ou americana ou canadiana, eles não têm nenhum ou muito pouco conhecimento da história de Portugal e da cultura portuguesa – como se pode ver no filme quando visitam algumas cidades. Também como a maioria emigrou para fugir à pobreza e os pais estavam sempre demasiado ocupados a trabalhar para sobreviver, provavelmente nunca tiveram tempo de lhes passar alguma cultura portuguesa."

 

"Eles não se sentem portugueses e, de facto, não são, daí o título "I Don't Belong Here" - que também era o título da peça. No jogo de futebol que se vê no filme, há uma divisão dos que torcem por Portugal e dos que torcem por Portugal ou pela América mas, a grande maioria deles, no fundo, acha o "soccer" muito "boring" e gostam é de basebol, basquetebol, “bowling” ou futebol americano. Essa é a realidade deles."

 

"Também é importante perceber que eles estão naquela ilha obrigados, não foram para lá de férias - daí muitos lhe chamarem Alcatraz ou 'o rochedo'. Aquilo para eles é uma prisão rodeada por água. Um deles diz no filme que preferia ter ficado na prisão na América porque, pelo menos, podia abraçar os filhos quando eles o fossem visitar. Nos Açores não recebem visitas da família porque, normalmente, elas não têm dinheiro para o fazer."

 

Uma situação triste e revoltante

 

“Acho que o filme retrata também um período em que eles foram bastante felizes, ou um pouco mais felizes, porque perceberam que se podiam 'evadir' através da arte. E, de facto, acho que se evadiram. Eles eram excelentes atores e muito corajosos porque nós todos os dias lhes pedíamos para nos contarem coisas que eles estavam a tentar esquecer. A peça era uma espécie de documentário ao vivo, com monólogos improvisados, baseados nas vivências pessoais deles, mas também com algumas situações cómicas que mostravam o absurdo da deportação."

 

"Tudo começou com uma peça de teatro sobre a passagem do cantor Jacques Brel no Faial, 'Brel nos Açores', que terminou por ser um enorme sucesso nas ilhas. O Observatório dos Luso-Descendentes desafiou o grupo, então, a realizar um trabalho sobre a deportação. A peça depois virou o projeto do filme. Com a ajuda voluntária de muita gente fomos conseguindo fazê-lo – sem nunca termos, de facto, um orçamento definido. Agora temos de tentar arranjar dinheiro para pagar alguns 'cachets' técnicos e tentar distribuir o filme."

 

"Durante os primeiros 'workshops', eu e a equipa tomámos consciência da duríssima realidade destes homens e da injustiça da situação, já que eles são deportados depois de cumprirem penas de prisão e não antes. O que, no fundo, é uma dupla pena – muitas vezes por crimes banais que em Portugal não seriam sequer crimes. É o caso da posse de pequenas doses de drogas, por exemplo. As leis da deportação na América do Norte endureceram bastante depois do 11 setembro de 2001. Toda esta situação e as histórias horríveis de separação de famílias que ouvi revoltaram profundamente a mim e à equipa."

 

Em busca de um final feliz

 

“O cineasta Bruno de Almeida foi ver a peça quando estreou em Lisboa e adorou-os como atores – acabando por escolher dois deles, Tony Brum e Zita Almeida, para um filme; mais tarde, foi à ilha fazer 'castings' e trouxe outros dois deportados que não tinham feito a peça. Eles entraram numa longa-metragem que vai estrear para o ano e onde, por exemplo, o Tony Brum faz de braço direito do Michael Imperioli ["Os Sopranos"] e tem um belíssimo papel. Fui lá visitá-los à rodagem um dia e os deportados estavam bastante à vontade naquele meio, foi muito bom vê-los felizes outra vez."

 

"A intenção principal é pôr o projeto em festivais nos Estados Unidos e no Canadá, porque assim os deportados do Canadá podem ir aos EUA e vice-versa. Isso seria o ideal e sentiria que a nossa missão foi cumprida, já que tentámos fazer isso com a peça mas era incomportável em termos financeiros."

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 00:58

Terror à portuguesa: "A Floresta das Almas Perdidas" chega aos cinemas

por Roni Nunes, Quinta-feira, 12.10.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/terror-a-portuguesa-a-floresta-das-almas-perdidas-chega-aos-cinemas?artigo-completo=sim)

 

Após estar bem lançado a nível internacional, seja na imprensa, na distribuição ou no circuito de festivais, o filme de terror lusitano estreia em Portugal. O SAPO Mag conversou com realizador, José Pedro Lopes, e com a atriz principal, Daniela Love.

 

 

Praticamente não se fazem filmes de terror em Portugal. Em menor número ainda são os que chegam ao circuito comercial. No caso em questão, trata-se de uma longa aventura: com pouquíssimos recursos, o realizador do Porto José Pedro Lopes logrou concretizar um projeto e, mais que isso, iniciar um impressionante périplo mundial.

 

Mas, antes… do que se trata? A ideia inicial tem matriz japonesa: dois personagens encontram-se numa floresta de suicidas. Mas um deles não está propriamente disposto a cumprir o prometido. “A Floresta das Almas Perdidas” fala de uma “serial killer” juvenil. E, menos comum, uma mulher.

 

Mas não se esperem banhos de sangue: para além de uma bela fotografia a preto-e-branco, a cargo de Francisco Lobo, em excelente companhia com a música de Emanuel Grácio, o filme assenta numa crença do realizador – que lida com outro tipo de amostragem. Para ele o terror vem da falta de uma verdadeira motivação da sua assassina para fazer o que faz: "Achei que o facto de ela não ter motivos funcionava melhor como elemento de terror".

 

 

Quem encarna a vilã/protagonista é Daniela Love, que após alguns papéis secundários em projetos da RTP, tem aqui o seu primeiro filme como atriz principal e uma rara oportunidade no cinema português: encarnar uma assassina que não tem grandes razões para matar.

 

“Para mim foi um bocado difícil chegar lá”, observa. “O que ela faz não é consequência de nenhum trauma, ela apenas faz aquilo porque lhe apetece e não vê as consequências dos seus atos”.

 

Sem motivações, é difícil achar referências: “Não tinha muito como me inspirar em outros ‘serial killers’, ela era algo isolado. E, tampouco, poderia ter muito de ‘meu’ em alguém assim… Bom, se calhar fui encontrando elementos de uma versão ridícula e ‘hipster’ de minha pessoa. Mas, obviamente, tem pouco de mim!“ [risos]. Mas, por outro lado… “lembra pessoas que conheço por aí…!” [risos].

 

Telemóveis, redes sociais e psicopatas

 

A vilã de “A Floresta das Almas Perdidas” assimila uma série de elementos do mundo contemporâneo e até usa o Facebook como álibi.

 

Sobre isso, o realizador filosofa assertivamente: “Vivo um pouco melindrado com a forma como os redes sociais criam uma barreira entre as pessoas, como se todos agora tivessem um permanente Relações Públicas. O que as pessoas fazem no Facebook é criar uma fachada, uma falsa ideia de sucesso. Achei interessante ter uma antagonista que usasse esses recursos para fazer tudo o que queria, desde mentir aos pais até levar outros a fazerem o que não queriam”.

 

O mesmo vale para os telemóveis: "Antigamente, por exemplo, se estávamos no carro à espera de alguém, permanecíamos sozinhos. Agora nunca estamos sós: para ‘não apanhar seca’ vamos meter conversa com alguém. Mas esta forma de viver, de nunca estar sozinho, é uma forma de psicopatia".

 

Terror para o mundo

 

Como tantas vezes têm acontecido com os artistas portugueses, a viabilidade do projeto é pensada numa escala mundial: longe de estar à espera de subsídios e de uma estreia nacional que poderia nunca acontecer, José Pedro Lopes, também diretor da produtora Anexo 82, tratou de algo que excede em muito a tarefa de um simples cineasta: assegurou uma vigorosa procura de uma carreira internacional para "“A Floresta das Almas Perdidas”.

 

 

"Assumi sempre que em Portugal não seria muito fácil e até podia nunca ter distribuição e que, a nível internacional, existem muitos mercados virados para o terror, principalmente o artístico", diz.

 

Depois de estrear em Portugal no Fantasporto e, em Lisboa, no FESTin, ambos no início do ano, uma guinada essencial ocorreu em junho: a seleção para o festival de Sidney, na Austrália, abriu as portas no mercado internacional.

 

A imprensa, a partir daí, ajudou: críticas positivas na Variety, no Screen Daily e na meca “online” das falanges terroríficas, o “site” Bloody Disgusting. Este último selecionou o filme como um dos melhores do ano; uma nova surpresa ocorreu em setembro recente – com “A Floresta das Almas Perdidas” a surgir no top da revista Newsweek.

 

Depois de um longa série de festivais pelo mundo e de aparições em grandes veículos, só faltava a distribuição: esta tem vindo a materializar-se em países como Suécia, Espanha e, brevemente, nos Estados Unidos – onde tenta-se uma estreia em sala antes do Video-on-Demand.

 

Nada mal, considerando-se que na América do Norte a circulação da obra foi dificultada pelo que o realizador considera o seu maior erro estratégico em relação ao projeto: rodá-lo a preto-e-branco.

 

“Não era um projeto fácil de vender, tem atores desconhecidos, uma narrativa não linear, é falado em português. Mas isso acaba por ser ultrapassável, mas não o preto-e-branco, que quase inviabilizou o filme na América. Os distribuidores lá acreditavam que depois não se conseguiria vender para os canais de TV. Isto é algo que já sei que não poderei fazer no próximo projeto”, assume José Pedro Lopes.

 

E este, já existe? Ainda não. “Não é fácil ter que tratar de tudo sozinho!”.

 

E depois do mundo... Portugal

 

“É uma alegria muito grande que a Legendmain tenha decidido investir no filme, até porque é uma distribuidora comprometida com a qualidade”, salienta o realizador.

 

E o público, vai reagir?

 

“Bom, é uma incógnita, mas espero que se interessem por ver uma proposta de cinema português muito diferente da habitual. Aliás, sem apoio do ICA, é um verdadeiro ‘indie’”, finaliza.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 21:43

Vicente Alves do Ó e o filme "Al Berto": "Queria colocar o dedo na ferida desta paz podre à portuguesa"

por Roni Nunes, Sábado, 07.10.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/vicente-alves-do-o-e-o-filme-al-berto-queria-colocar-o-dedo-na-ferida-desta-paz-podre-a-portuguesa)

 

Vicente Alves do Ó e o filme "Al Berto": "Queria colocar o dedo na ferida desta paz podre à portuguesa"

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 20:41

Realizador João Monteiro revela histórias não contadas do cinema português

por Roni Nunes, Sexta-feira, 06.10.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (https://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/realizador-joao-monteiro-revela-historias-nao-contadas-do-cinema-portugues?artigo-completo=sim)

 

Realizador João Monteiro revela histórias não contadas do cinema português

(ADENDA DE OUTUBRO DE 2017. O REALIZADOR ANTÓNIO DE MACEDO FALECEU HÁ DOIS DIAS. ESSE ARTIGO RECUPERA UMA ENTREVISTA COM JOÃO MONTEIRO, AUTOR DE "INTERSTÍCIOS DA REALIDADE", FILME QUE ENCERROU O DOCLISBOA EM 2016, QUE RECUPERAVA A MEMÓRIA DO CINEASTA E CONTAVA UMAS TANTAS HISTÓRIAS DO CINEMA PORTUGUÊS)

 

O realizador João Monteiro remexeu no baú da nebulosa história do cinema português e descobriu umas tantas histórias através das vicissitudes na carreira de outro cineasta, António de Macedo. O SAPO Mag recupera algumas.

 

 

'Ninguém neste meio se entende, mas este meio não faz falta a ninguém'.

 

Esta constatação de João Monteiro surge em jeito de conclusão após a reflexão sobre os mais de 40 anos de história do cinema português que perpassam pelo seu “Interstícios da Realidade – o Cinema de António de Macedo”, que encerrou o Doclisboa.

 

 

 

Dada a variedade e a qualidade dos depoimentos o filme termina por ser mais, no entanto, do que o resgate da penumbra de Macedo, o seu propósito explícito. Por outras palavras, João Monteiro regista o surgimento das fações do cenário luso – onde godardianos e não-godardianos confrontavam-se por um lugar ao sol no panorama intelectual dos anos 60.

 

Assim, António-Pedro Vasconcelos, Fernando Lopes, Alberto Seixa Santos, José Fonseca e Costa e António Cunha Telles, entre outros, contam a própria história de uma arte que ainda hoje sofre para comunicar com o público nacional – e, quando o faz, é à triste maneira das comédias televisivas.

 

'É um processo de destruição que vem desde a Segunda Guerra Mundial, foi-se perdendo esse gosto de se ver cinema português quando os americanos entraram em força.' O realizador de “Interstícios da Realidade” apenas faz eco do que toda a gente sabe: 'No cinema português é o ‘yin’ e o ‘yang’ – entre filmes comerciais televisivos e nomes prestigiados nos grandes eventos internacionais. Esta guerra de guerrilha nunca vai acabar'.

 

Neste sentido, a narrativa da carreira de António de Macedo conforme construída pelo documentário mostra a tentativa de se fazer cinema de género e a relutância com que isto foi tratado ao longo das décadas pelos opositores desta procura.

 

SETE BALAS NA ELITE INTELECTUAL

 

As ruturas começaram nos anos 60, quando o Cinema Novo português logrou ter qualidade sem público. António de Macedo, por seu lado, tentou fazer cinema de género numa altura em que a intelectualidade estava mergulhada nos pressupostos estéticos da 'Nouvelle Vague' [Nova Vaga] e do Neorealismo – correntes em algum ponto conectadas com a militância política de esquerda.

 

 

'Macedo sempre teve uma tendência ‘suicida’ em termos cinematográficos. Assistindo-se a ‘Sete Balas para Selma´ [a sua segunda longa-metragem, de 1967] fico com a sensação que ele fez de propósito, para separar logo as águas e cortar o mal pela raiz. Ele sempre foi avesso a clubes', diz João Monteiro.

 

De facto, a proposta desta produção de Cunha Telles que, com este filme, iria de vez à falência após outros três falhanços nas bilheteiras, beira o inacreditável. Afinal, quem se lembraria de filmar cá um enredo de ação em ritmo de paródia dos filmes de agentes secretos, situando o seu enredo nos confins da província lusitana? Entre mortos e feridos nesta intriga internacional no campo, ninguém compreendeu.

 

MÁS COMPANHIAS E FILMES NO PORTA-BAGAGEM

 

Para Monteiro, “Sete Balas para Selma” forneceu boa munição para quem já olhava o realizador de lado – primeiro por ele manter a amizade com alguns cineastas que trabalharam no regime de Salazar.

 

'Não caía bem, até porque ele era um autodidata completo – diferente dos outros, que puderam estudar fora', diz.

 

 

Mas a coisa piorou quando, ironicamente (e a façanha repetir-se-ia nos anos 70), acabou por ser ele, com o seu filme de estreia, “Domingo à Tarde” (1962), a tornar-se o único cineasta do Cinema Novo a chegar ao Festival de Veneza – na altura o mais prestigiado do mundo. 'Gerou-se aquele tipo de inveja muito português', avalia Monteiro.

 

Corria o ano de 1962 e o diretor do evento, comunista convicto nestes tempos de ideologias, recusava-se a aceitar candidaturas de obras vindas de países fascistas. Mas Cunha Telles, carregando o filme com Isabel de Castro e Ruy de Carvalho no elenco clandestinamente no porta-bagagem do carro, conseguiu fazê-lo lá chegar. Para João Monteiro não se fez menos do que justiça: 'Tecnicamente, é o melhor dos três filmes que inauguram o Cinema Novo', diz, comparando-o com “Verdes Anos”, de Paulo Rocha e “Belarmino”, de Fernando Lopes.

 

GUERRAS FINANCEIRAS E UTOPIA COOPERATIVA

 

A política foi outro ponto de discórdia. Ninguém explica melhor do que o próprio Macedo no seu depoimento para o filme: 'Para o Estado fascista eu era comunista. Para os comunistas eu era fascista. E eu era um anarco-místico pois para mim ambos eram totalitários à sua maneira'.

 

O que não significa que fosse um descrente à moda do pós-modernismo atual. Num depoimento antigo, Macedo fala com entusiasmo da criação do Centro Português de Cinema (CPC), visto por ele como uma forma utópica dos artistas trabalharem em cooperativa. A ligação da entidade à Fundação Gulbenkian manteve os dissidentes unidos – e quase todos os cineastas importantes da época, incluindo Manoel de Oliveira e João César Monteiro, fizeram filmes entre 1972 e 1974.

 

'Eles faziam votação e distribuíam entre si o dinheiro. Mas era uma paz armada. Depois do 25 de Abril começaram a guerra pelos subsídios, fazendo vítimas. Macedo foi uma delas e isso não é uma teoria da conspiração', assinala Monteiro.

 

A IMAGEM QUE FALTA: TERÁ EXISTIDO UMA AVENTURA EM CANNES?

 

Foi novamente o marginalizado António de Macedo a alcançar outro triunfo inesperado – um Festival de Cannes já em larga ascensão desde o maio de 68.

 

 

"Portugal não preenchia o requisito de quotas para inscrever filmes. 'A Promessa' era uma coprodução com a Espanha e como eles não tinham filmes enviaram este. E foi selecionado para a competição principal!'

 

Como um bom exemplo destas vicissitudes do cinema português, na sua investigação Monteiro não conseguiu encontrar uma única foto do realizador e da sua equipa em Cannes. Já para revista 'O Cinéfilo', editada por António-Pedro Vasconcelos e Fernando Lopes, numa crítica que mereceu um 'mea culpa' do primeiro em “Interstícios”, “A Promessa” era um filme terrível.

 

O teor da missiva espanta Monteiro: 'A maior crítica que faziam era pelo facto do filme lembrar Sergio Leone e Sam Peckinpah! Imagina se o mesmo argumento fosse hoje usado para o cinema de Tarantino…'

 

 

TRIP PSICADÉLICA

 

É também desta época “O Princípio da Sabedoria” (1975), o filme com Guida Maria, Sinde Filipe e Carmen Dolores que fez João Monteiro, então nas suas funções no Motelx, enveredar pelo passado para descobrir 'quem era aquele velhinho simpático' por trás de um filme que ele descreve como 'uma viagem psicadélica de três horas que lembrava Jodorowski e era um grande filme!'

 

VERDADES E MENTIRAS

 

Não consta que António de Macedo tenha feito uma comédia explícita, mas Monteiro acredita que ele foi mais longe do que o clássico “A Vida de Brian” (1979), dos Monty Python, na sua impressionante iconoclastia que derrubava impiedosamente os mitos da Verdade Revelada cristã.

 

 

Baseada numa peça de teatro com apenas três personagens e recriando cenários 'romanos' na Costa da Caparica, “As Horas de Maria” (1979) era inspirado nos achados do Manuscrito do Mar Morto para criar uma versão apócrifa da história de Maria.

 

Certamente o escândalo foi grande: as nuvens revolucionárias do 25 de abril já se curvavam à Direita quando, fora de tempo e com três anos de atraso, sai no circuito comercial. Mas como tantas vezes acontece, com os protestos, as agressões a membros da equipa na antestreia e o envolvimento de padres numa campanha de difamação a partir dos púlpitos, “As Horas de Maria” teve uma ampla campanha de marketing involuntário e atingiu os 100 mil espectadores.

 

MUITO ALÉM E ADIANTE: A SCI-FI PORTUGUESA

 

No sistema português, um sucesso comercial não significa ter dinheiro para fazer outro filme e mesmo com os impressionantes números do seu trabalho anterior, Macedo fez apenas mais três longas de ficção nos anos 80.

 

 

Com “Os Abismos da Meia-Noite” (1982) e “Os Emissários de Khalom” (1988, foto), a aventura foi na senda da ficção científica. No seu depoimento, o cineasta expôs o seu desejo de que outros realizadores a seguir pegassem no seu exemplo e o explorassem – fazendo, se possível, melhor que ele. Tal nunca aconteceu.

 

'O problema com esses filmes', analisa Monteiro, 'é que até ficarem bons precisam de uma prática. Quando isso não existe, não há técnicos e ele tentou fazer na lógica do ‘vamos ver o que se consegue’. Apesar de terem envelhecido mal esteticamente, tem uma ambição que surpreende'.

 

EPÍLOGO: FANTASMAS MAIS VIVOS QUE OS VIVOS

 

O epitáfio deu-se com uma história gótica baseada nos contos de Karen Blixen 'em que os fantasmas', segundo o realizador de “Interstícios”, 'parecem mais vivos do que os vivos'.

 

“Chá Preto com Limão” correu muito mal nas bilheteiras e conforme destaca o crítico e historiador Jorge Leitão Ramos, 'quando perdeu o público, Macedo perdeu o seu último suporte'. Como resultado, ele nunca mais recebeu subsídios para desenvolver projetos. Até ao ano passado.

 

Com isso tudo, António de Macedo foi parar à literatura onde, pelo menos, houve uma pequena cena literária de ficção científica. Na última edição do Motelx, depois de vencer um concurso de finalização do ICA, o cineasta remontou uma antiga série televisiva que havia feito para a RTP em 1991 e apresentou “O Segredo das Pedras Vivas”.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 21:22

Cinema português é um sucesso na plataforma de "streaming" Filmin

por Roni Nunes, Terça-feira, 30.05.17

Artigo originalmente postado em Sapo Mag (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/cinema-portugues-e-um-sucesso-na-plataforma-de-streaming-filmin)

 

Cinema português é um sucesso na plataforma de "streaming" Filmin

O cinema português é o mais procurado na Filmin, que disponibiliza uma série de obras alternativas mediante subscrição.

 
 

tabu (Copy).jpg

 

Eventualmente contrariando certas expectativas, o cinema português é o mais procurado do serviço de plataforma de "streaming" Filmin, que disponibiliza uma série de obras alternativas mediante subscrição.

 

Operacional desde o ano passado, a distribuidora contabiliza a oferta de quase uma centena de títulos da filmografia nacional – uma seleção que surgiu através da criação de um canal dentro do “site” exclusivamente dedicado à produção portuguesa.

 

Em causa também está a curta vida dos filmes após o circuito de festivais. De acordo com Stefano Savio, diretor da Filmin, “o cinema português é muito falado e pouco visto, e no vasto catálogo da produção nacional há inúmeras obras que estão fechadas numa gaveta há anos sem possibilidade de serem exibidas. Com o nosso projeto tentamos evitar o rápido esquecimento que acontece a muitos filmes portugueses depois de uma estreia num festival ou de uma passagem pela televisão”.

 

A pouca valorização comercial da produção nacional, de uma forma geral, faz com que muitas obras não entrem sequer no circuito de DVDs ou "Video-on-Demand". Neste sentido, a plataforma termina por ser um canal para produtores e distribuidores que queiram dar nova vida ao seu filme.

 

Os últimos grandes eventos internacionais tiveram filmes portugueses premiados – caso de Veneza, Sundance, Berlim e, na última semana, Cannes – com o prémio da Fipresci endossado a Pedro Pinho e o seu “A Fábrica de Nada”.

 

“Portugal é um país que encontra um grande conforto na valorização positiva no estrangeiro, mas esta característica ainda não é suficientemente forte para aproximar o grande público da produção nacional. Penso que podemos ajudar a colmatar essa lacuna”, salienta Savio.

 

Entre os quase cem títulos nacionais do sempre difícil de encontrar cinema lusitano estão disponíveis quase todos os autores portugueses mais reconhecidos, como Miguel Gomes, João Botelho, João Canijo, João Salaviza, Ivo Ferreira, Pedro Pinho, João Nicolau, Manuel Mozos e muitos outros. Desde grandes sucessos, como “Os Maias” ou “Tabu”, até pérolas à espera de serem descobertas.

 

O acesso à plataforma Filmin pode ser efetuado através de uma subscrição mensal de 6,95€, sem fidelização obrigatória, ou através do aluguer de filmes à unidade, durante 72 horas, com valores entre 1,95€ e 3,95€.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 18:29

Artigo/entrevista sobre "Perdidos", que estreia hoje (18/05)

por Roni Nunes, Quinta-feira, 18.05.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/ha-que-levar-publico-as-salas-admite-realizador-portugues-de-perdidos?artigo-completo=sim)

 

"Há que levar público às salas", admite realizador português de "Perdidos"

 

Dânia Neto é a estrela desta história passada em alto-mar, onde um grupo de seis amigos fica sem ter como voltar para o barco onde estavam. O SAPO Mag conversou com o realizador Sérgio Graciano e o argumentista Tiago R. Santos sobre a aventura.

 

 

Perdidos" narra a história de seis amigos que vão passar o final de semana num barco. Por casualidade, no entanto, eles atiram-se todos para água sem que ninguém tenha lembrado de pôr a escada para que possam voltar…

 

A partir daí formam-se os contornos de um “thriller” de sobrevivência – com os seis enfrentando a probabilidade de morrer no mar alto. Para piorar, o casal formado por Dânia Neto e Diogo Amaral tem o seu bebé a dormir na embarcação…Completam o elenco Afonso Pimentel, Dalila Carmo, Lourenço Ortigão e Catarina Gouveia.

 

Público para o cinema português

 

“Perdidos” tem produção de Leonel Vieira, realização de Sérgio Graciano e argumento de Tiago R. Santos. Trata-se de um “remake” de “Armadilha em Alto-Mar” (2006), sequela de “Open Water- Em Águas Profundas (2003)”.

 

De acordo com o produtor na apresentação do projeto no cinema São Jorge, em Lisboa, “há anos” que ele esperava que alguém lhe aparecesse com uma ideia para um “thriller” – segundo ele, um género inexplorado em Portugal. Como isso nunca apareceu, decidiu comprá-la à uma produtora alemã.

 

Por trás de tudo está a ideia de fazer cinema de género. “Não é um projeto para ir a Cannes ou Veneza, é apenas entretenimento. Queremos que as pessoas fiquem coladas ao ecrã”, disse.

 

Em conversa com SAPO Mag, Sérgio Graciano e Tiago Santos complementam. Para o realizador, “não há filme de género em Portugal e este pode ser um passo enorme para chegar a esse tipo de cinema. Há que levar público às salas. Não nos enganemos, toda a gente quer fazer público, mesmo que muitas vezes digam o contrário”.

 

Tiago Santos, argumentista, especifica: “Sem querer colocar qualquer tipo de cinema de parte, uma vez que, quando são honestos, todos são legítimos, acho que fazem falta cá projetos onde há uma vontade explícita de levar o espectador numa viagem emocional, seja para fazer sorrir ou chorar, agarrar-se à cadeira ou fechar os olhos de medo”.

 

O mar imprevisível

 

"Perdidos" foi filmado na Madeira e, com uma parte longa da história passada na água, exigiu uma paciência especial da produção.

 

 

“É sempre difícil jogar com a imprevisibilidade do mar”, diz Graciano. “Isso foi uma das maiores dificuldades, corríamos sempre o risco de marcar uma cena e depois a corrente impor outra “mise-en-scène”. A certas alturas, optava por marcar tudo em cima do barco e depois adaptar consoante a ‘vontade’ do mar”.

 

Também dos atores foi exigido um empenho extra. “Foi muito difícil para eles, muitas vezes tudo o que estava combinado tinha que ser refeito”.

 

A história

 

Com um filme passado num período “contínuo” de tempo e sempre no mesmo espaço, a dosagem entre ação e progresso do filme passa, inevitavelmente, pelos conflitos dos próprios personagens.Tiago Santos explica que o desenvolvimento do argumento passou pela desconstrução do original – a cargo de Adam Kreutner e David Mitchell, no sentido de perceber o que funcionava ou não.

 

“Cheguei à conclusão que tudo passaria pela construção das personagens e das ligações entre elas. Quanto melhor o espectador as conhecesse e criasse empatia com os seus dramas e segredos, mais eficaz seria o filme”. Assim, ao longo do avanço da história, abre-se um “terreno fértil, devido ao pânico e ao desespero, para confissões, revelações e redenções. O filme fica quase dividido em dois atos, onde na primeira parte as pessoas se mostram como gostariam de ser vistas e na segunda revelam a sua verdadeira natureza. Para o bem e para o mal”.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Roni Nunes às 23:44


Comentários recentes

  • Cleber Nunes

    Sem dúvida é um filme que me despertou interesse ...