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«7 Days in Entebbe» (Operação Entebbe), por Roni Nunes

por Roni Nunes, Quinta-feira, 29.03.18

Crítica originalmente postada em C7nema.

 

 

José Padilha consagrou-se com Tropa de Elite, um registo em modo "ação" balizado por inúmeras considerações morais e imbróglios temáticos. No universo exclusivamente do cinema, a sua estreia com capitais internacionais, Robocop, não pode ser considerado um verdadeiro projeto autoral – no sentido que exigências comerciais e de produção condicionaram o que ele eventualmente poderia ter acrescentado à uma releitura do clássico de Paul Verhoeven.

 

Operação Entebbe mete-se por terrenos (muito) pantanosos. Reconstrói um episódio real, o sequestro de um avião da Air France, em 1976, por dois ativistas alemães, ligados à organização Baader-Meinhof (interpretados pelas estrelas do elenco – Rosamund Pike e Daniel Brühl) e um grupo de palestinianos. Com uma decisão algo insólita, eles usam como base para as suas negociações um aeroporto de Uganda, país então dominado pelo muito louco e imprevisível Idi Amin (Nonso Anozie). O governo de Israel desenvolve então a Operação Thunderbolt, uma das mais notórias da sua história.

 

A ênfase é menor na ação do que na tentativa de criar personagens envoltos em dilemas difíceis. Em termos morais, o argumento tenta o equilíbrio quase impossível em conciliar o discurso revolucionário e a suas ações, e as decisões de homens de Estado presos entre a política e o fator humano – todos embrulhados em escolhas de grandes consequências.

 

No mundo dos "terroristas", Padilha faz um esforço q.b., ainda que titubeante, para entender e aceitar a lógica revolucionária dos anos 70. No século XXI, ironicamente um tempo desesperadamente órfão de crenças universalistas coletivas (só a extrema-direita ainda parece tê-las), é necessário um esforço para não ridicularizar a fé ingénua de um pequeno editor alemão (Brühl) no sequestro de um avião em nome da justiça da causa palestiniana.

 

 

A terrorista de Pike é mais ambígua, mas mal construída, resultando ineficaz o drama da personagem vivida por uma atriz deliberadamente desornamentada de sua fulgurante presença física (de Gone Girl, por exemplo). Já o drama do soldado israelita (Ben Schnetzer) e sua namorada dançarina (Zina Zinchenko) retomam os tormentos do capitão Nascimento ("polícia tem família"), mas terminam por não passar de um cliché pouco relevante.

 

De qualquer forma, o facto de ser uma coprodução europeia (envolve a Working Title e o StudioCanal) torna viável que Padilha e companhia elevem o tema do terrorismo a um patamar mais sério do que às fábulas de propaganda de Hollywood – onde o mundo se divide entre bons e maus, estes últimos facilmente catalogáveis em rótulos de marketing estilo "eixo do mal".

 

O espinhoso conflito israelo-palestiniano é enfocado através de dois homens de Estado. De um lado está o belicoso Shimon Peres (futuro moderado na vida real) em modo simpatético (vivido por Eddie Marsan) e de outro Isaac Rabin (interpretado por Lior Ashkenazi) que assume o tom conciliador que seria intolerável no mundo cá fora (fora do âmbito cronológico do filme, viria a ser assassinado por radicais israelitas). Uma nota ainda para Benjamin Netanyahu nos créditos finais, embora aí seja necessário ressaltar a falta de coragem à produção, dentro da sua própria lógica, para referir-se àquilo que foi a sua política de atrocidades.

 

A dança, coreografia de Ohad Naharin e representação da Batsheva Dance Companhy, confere uma graça especial ao filme – unindo sua força simbólica (os dançarinos que se despem de trajes ortodoxos) com as suas possibilidades cinemáticas (as trajetórias paralelas entre o espetáculo artístico e o militar).

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por Roni Nunes às 19:56

B-Movie: Lust and Sound in West-Berlin

por Roni Nunes, Sexta-feira, 19.01.18

Crítica postada em C7nema.

 

Publicado por  Roni Nunes

 

Os realizadores Jörg Hoppe, Klaus Maeck e Heiko Lange utilizaram como base um extenso trabalho de filmagem "in loco" do músico britânico Mark Reeder, feito durante os anos 80, para um ensaio sobre a cultura da cidade.

 

B-Movie: Lust and Sound in West-Berlin é um filme sobre memórias. Para quem tenha vivido muito longe da cena underground de Berlim Ocidental nos anos 80 mas adorava música indie, a conexão é pacífica. Os jovens do século XXI terão de se contentar com a evocação de um imaginário que lhes poderá parecer de outra galáxia. Ou não?

 

É muito fácil cair na nostalgia. Será inevitável? O inglês Mark Reeder, que "respirava" música antes de pegar numa câmara e filmar tudo o que encontra pela frente na cidade alemã, fala de Berlim conectada com Joy Division/New Order. Bernard Summers e companhia aparecem por lá "em pessoa"; outro momento precioso é a aparição de Nick Cave, enquanto Blixa Bargeld é uma das figuras frequentemente encontradas pelos clubes subterrâneos onde criaturas tremem e revelam-se como germes sob a luz repentina.

 

Isso tudo às vésperas de uma longeva parceria: os Bad Seeds, como se sabe, vivem e chutam. Até Christiane F. (Felscherinow, no mundo cá fora) circula por ali; Keith Haring, por seu lado, faz grafitis no muro infame. Já enquanto presença fantasmagórica mais de uma vez evocada surge David Bowie – que parece assistir orgulhoso aos filhos nascidos ou adotados de uma cidade que foi um dos primeiros a desbravar.

 

Reeder tem o fascínio do estrangeiro enquanto o filme tem a melancolia do tempo passado. Ficam sempre as ruínas - que na verdade são apenas transformações, metamorfoses de uma vida que será outra coisa - neste caso o mundo dos DJs e da cena "trance" em que o próprio foi se meter no início dos anos 90.

 

 

Os transes eletrónicos não são o fim, mas outro começo: antes deles os Einstürzende Neubauten de Bargeld andaram tocando sob as pontes, fazendo excursões pelas fábricas e ajudando a inventar o "rock" industrial; estavam em sintonia com os ingleses (os da cena de Sheffield, por exemplo), mas com algo diferente a propor. Num assinalável assomo de humildade, um músico de uma banda local admite: os Neubauten podem fazer sucesso em Inglaterra porque fazem algo novo, enquanto "o que eles fazem os Buzzcocks fazem melhor".

 

O inglês sai de Manchester: parece inacreditável que alguém, num dos períodos mais prolíficos da história do rock inglês (a Manchester do pós-punk do final dos anos 70) se sinta encantado a ponto de transitar por dias a fio até uma cidade desconhecida em busca de outra música que não a da sua cidade. Poderia ser estranho mas é muito normal: não podemos desejar aquilo que já temos, não podemos sonhar com aquilo que está ao nosso lado.

 

E com o que sonha Reeder deixa de ser, na mão do trio de realizadores, uma fantasia para ser a sua festa móvel – para utilizar o título pensado por Ernest Hemingway para descrever a Paris que não viveu (da Belle Époque) – numa nostalgia retroativa a qual Woody Allen compreendeu lindamente no estupendo Meia-noite em Paris. Começar nas paredes sujas do muro de Berlim dos 80 e terminar na França do século XIX não é um ato de autocondescendência gratuita: a melhor forma para B-Movie: Lust and Sound in West-Berlin fazer sentido é enquanto catalisador de reminiscências pessoais.

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por Roni Nunes às 01:02

Crítica: «Tempestad»

por Roni Nunes, Domingo, 17.12.17
  • Publicado por  Roni Nunes no C7nema durante o Festival de Berlim 2016.

 

Filme da Panorama do Festival de Berlim que traz um olhar feminino com um foco muito próprio sobre a terrível crise da sociedade mexicana causada pelos cartéis do narcotráfico. Isso porque Tatiana Huezo não se focou nos signos visíveis da extrema violência dos gangues, optando antes por mostrá-la através dos dramáticos efeitos no quotidiano de duas mulheres.

Uma delas relata, sempre em áudio e nunca em imagens, o que lhe aconteceu quando foi acusada injustamente de corrupção – isto porque o governo precisava ilibar-se na comunicação social e escolheu um grupo de pessoas aleatoriamente para culpar. Ela foi entregue à uma penitenciária no extremo oposto do país – gerida à margem de qualquer lei por uma organização criminosa. A outra história é marcada pelo desaparecimento da filha de uma mulher do circo, pela "investigação" levada a cabo por uma polícia extremamente corrupta e pelo desespero vindo, não só de não saber o seu paradeiro, mas por este se tratar, provavelmente, da prostituição.

O recurso do anonimato funciona: nunca se vê a as pessoas que narram – com a realizadora a mostrar antes diferentes mulheres e, com isso, alcançar eficazmente a universalização de um drama que, afinal, poderia acontecer a qualquer um. A "tempestade" aqui é interior – mas não menos intensa, onde desfila aos olhos do espectador o quotidiano de um país que tem a sua vida frequentemente invadida por sinistros poderes externos. O recurso, no entanto, não evita momentos de cansaço – especialmente na quebra óbvia que ocorre no início da segunda história.

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por Roni Nunes às 17:14

Crítica: «Aquí no Há Pasado Nada"

por Roni Nunes, Segunda-feira, 11.12.17

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Há um facto “sociológico” por trás da existência do filme que abriu a Mostra de Cinema Ibero-Americana – variação da habitual Mostra da América Latina que este ano inclui os países ibéricos. “Aquí no Ha Pasado Nada” foi financiado parcialmente por um regime de crowdfunding: por outras palavras, um largo grupo de investidores comuns quis que se contasse no cinema uma história em torno do filho do senador Carlos Larraín, Martín. E qual era ela? Essencialmente Martín tomou parte num atropelamento que contou com embriaguez e morte – com consequências ambíguas. Aconteceu no Chile, em 2013.

 

Alejandro Fernandez Almendras, no entanto, debruçou-se sobre os acontecimentos à sua própria maneira. Mais que os trâmites legais, twists intempestivos ou formalizações académicas, interessou-lhe um retrato dos jovens envolvidos – particularmente a quem cabe os maiores dilemas, Vicente Maldonado (Augustín Silva), amigo do principal acusado. Segundo as autoridades, baseado nos testemunhos dos “amigos”, ele é suspeito de estar a conduzir o carro no momento do acidente. Diante da sua inércia, acreditando que o facto de saber a verdade é o suficiente, o seu advogado concede uma dádiva de sabedoria ao novato: “Só é verdade o que pode ser provado”.

 

Assim há esse protagonista algo ingénuo, não propriamente má pessoa, que gosta de beber, ir a festas e ter relações sexuais com uma “amiga”. A câmara não pára, o fundo desfocado é recorrente, muita coisa dissolve-se na escuridão da noite; essa “perseguição” estilística é a forma escolhida por Almendras para criar um mundo de vontades etéreas, não muito ferrenhas, por vezes francamente fútil. O cineasta recorre ainda à reprodução de SMS no ecrã – criando um artificialismo que quase passa desapercebido pelas sensibilidades atuais.

 

O que não é vaga é a forma como o advogado da família poderosa estabelece uma longa analogia para convencer Vicente, com o seu pai ausente, a dar-se como culpado de algo que não fez. São os “tweets” a colher a voz generalizada da indignação. É desta forma que “este país de mierda”, como escreve alguém, parece-se com todos os outros.

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por Roni Nunes às 20:01

IndieLisboa 2017: crítica a "The Challenge"

por Roni Nunes, Segunda-feira, 15.05.17

Crítica originalmente postada em C7nema (http://www.c7nema.net/critica/item/46631-the-challenge-por-roni-nunes.html)

 

 

No Antigo Regime, e daí para trás, só os ricos mereciam ser retratados. Na pintura, na literatura, na História, os aristocratas, os mercadores/banqueiros, os altos dignatários da igreja eram dignos de registo: o povo desvaneceu-se em séculos de invisibilidade. No século XIX, as coisas começaram a mudar.

 

O cinema é produto da 2ª Revolução Industrial e sempre falou dos pobres. Seja na fantasia, seja no realismo. O de autor, em particular, chafurda há décadas na vida dos desfavorecidos. Fernando Meirelles, depois de um impecável registo da favela (Cidade de Deus) prometeu um filme sobre os muito ricos – cuja visão seria igualmente brutal e chocante. Por alguma razão nunca o fez – como tampouco outros: no cinema realista, os detentores do dinheiro foram remetidos a um perverso e confortável silêncio.

 

The Challenge fala de falcões. Eles têm direito à manicura e um naipe de gente que vive para cuidá-los. Paga-se por um exemplar 22 mil euros num leilão. O Qatar é uma das ilhas da fantasia do Médio Oriente – a terra dos “sheiks”, que fazem o deserto reluzir com suas carrinhas topo de gama. Um deles tem uma lamborghini; com ele viaja o seu jaguar (o animal) de estimação – talvez a mais impressionante mostra simbólica de poder.

 

O italiano Yuri Ancanari expõe em museus e é reconhecido internacionalmente no universo do videoarte. The Challenge é a sua longa-metragem cinematográfica de estreia. Planos fixos, panorâmicas, cores exuberantes, cenários interiores cujos luxos falam mais do que as palavras: o retrato visual da opulência – filmado como álbum de família, com elegância a condizer.

 

Quanto à falcoaria, esta era documentada na mais remota Antiguidade. Consiste em lançar um falcão treinado para, com a ajuda das preces a Alá, destroçar um pobre pombo. Os árabes, há muitos séculos, são dos seus mais entusiasmados praticantes e continua ser a forma de desporto favorito de uma elite que não tem que prestar contas a ninguém. Enquanto o petróleo existir, eles lá estarão; fora da “petrolândia”, a escumalha despedaça-se em statements suicidas pelo Ocidente afora – ao passo que estes últimos acham justificações esdrúxulas para chacinar sociedades em busca do ouro negro.

 

A falcoaria, tal como a opressão, está destinada a perpetuar-se no tempo

 

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por Roni Nunes às 19:41

IndieLisboa 2017: crítica a "Viejo Calavera"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Crítica originalmente postada em C7nema (http://www.c7nema.net/critica/item/46629-viejo-calavera--dark-skull-por-roni-nunes.html)

 

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O longínquo eletrohouse dos Kano embala bolivianas do século XXI. Elder (Julio Cesar Ticoa) tenta beijá-las, mas elas não estão interessadas. Ele terminou de chegar à discoteca depois de ter assaltado um transeunte. Italo-disco/Bolívia/Elder – a delícia kitsch para a abertura de “Viejo Calavera”, longa-metragem de estreia de Kiro Russo.

 

Tempos depois, a quase quatro mil metros acima do nível do mar uma alma penada chora pela montanha o filho morto. Sombras movem-se nas montanhas gélidas onde há criação de lhamas e uma pequena cidade sobrevive ao redor da mina de estanho. Huanuni.

 

Elder tem de voltar para lá. Ele é um dos protagonistas de filme mais moralmente inúteis já vistos por aí: passa a vida bêbado, a cometer furtos e a arranjar confusão. Sua tia da cidade já não o atura e, ao voltar para Huanuni, vai parar as catacumbas da cidade – a substituir o seu pai recém-falecido e, diferente dele, muito admirado pelos outros mineiros.

 

Esse filho pródigo vai perambular pelos labirintos sufocantes das minas. Com a sua displicência e uma incrível atitude “que se f* tudo e todos”, embriagado a uns bons quilómetros abaixo da terra firme, a sofrer acidentes irresponsáveis, ele não pode despertar nada melhor do que o ódio dos “compañeros”. Seu padrinho Francisco diz: “filho, toda a gente tem que tomar um rumo um dia” – palavras que entram a 10 e saem a 1000.

 

Os mineiros do mundo real ajudaram a financiar o filme do realizador boliviano Kiro Russo – a que aprendeu a fazer cinema na Argentina. Eles próprios estão lá, como atores não profissionais à boa maneira neorrealista, a protestar contrato o completo descaso do Estado para com uma vida dura.

 

O “dark” do título internacional (“dark skull”) é a palavra para a trajetória de Elder e seus colegas – a moverem-se (com o contraponto na imagem pela cinematografia de Pablo Paniagua) num território pleno de dificuldades laborais e existenciais. O filme peca, no entanto, pela história demasiado obtusa contada por Russo e por seu coargumentista Gilmar Gonzáles – onde nota-se que o maior esforço (e talento) está investido na composição visual e sonora.

 

 

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por Roni Nunes às 19:11


Comentários recentes

  • Cleber Nunes

    Sem dúvida é um filme que me despertou interesse ...