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IndieLisboa 2017: crítica a "The Challenge"

por Roni Nunes, Segunda-feira, 15.05.17

Crítica originalmente postada em C7nema (http://www.c7nema.net/critica/item/46631-the-challenge-por-roni-nunes.html)

 

 

No Antigo Regime, e daí para trás, só os ricos mereciam ser retratados. Na pintura, na literatura, na História, os aristocratas, os mercadores/banqueiros, os altos dignatários da igreja eram dignos de registo: o povo desvaneceu-se em séculos de invisibilidade. No século XIX, as coisas começaram a mudar.

 

O cinema é produto da 2ª Revolução Industrial e sempre falou dos pobres. Seja na fantasia, seja no realismo. O de autor, em particular, chafurda há décadas na vida dos desfavorecidos. Fernando Meirelles, depois de um impecável registo da favela (Cidade de Deus) prometeu um filme sobre os muito ricos – cuja visão seria igualmente brutal e chocante. Por alguma razão nunca o fez – como tampouco outros: no cinema realista, os detentores do dinheiro foram remetidos a um perverso e confortável silêncio.

 

The Challenge fala de falcões. Eles têm direito à manicura e um naipe de gente que vive para cuidá-los. Paga-se por um exemplar 22 mil euros num leilão. O Qatar é uma das ilhas da fantasia do Médio Oriente – a terra dos “sheiks”, que fazem o deserto reluzir com suas carrinhas topo de gama. Um deles tem uma lamborghini; com ele viaja o seu jaguar (o animal) de estimação – talvez a mais impressionante mostra simbólica de poder.

 

O italiano Yuri Ancanari expõe em museus e é reconhecido internacionalmente no universo do videoarte. The Challenge é a sua longa-metragem cinematográfica de estreia. Planos fixos, panorâmicas, cores exuberantes, cenários interiores cujos luxos falam mais do que as palavras: o retrato visual da opulência – filmado como álbum de família, com elegância a condizer.

 

Quanto à falcoaria, esta era documentada na mais remota Antiguidade. Consiste em lançar um falcão treinado para, com a ajuda das preces a Alá, destroçar um pobre pombo. Os árabes, há muitos séculos, são dos seus mais entusiasmados praticantes e continua ser a forma de desporto favorito de uma elite que não tem que prestar contas a ninguém. Enquanto o petróleo existir, eles lá estarão; fora da “petrolândia”, a escumalha despedaça-se em statements suicidas pelo Ocidente afora – ao passo que estes últimos acham justificações esdrúxulas para chacinar sociedades em busca do ouro negro.

 

A falcoaria, tal como a opressão, está destinada a perpetuar-se no tempo

 

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por Roni Nunes às 19:41

Curtas-metragens que estiveram em destaque no IndieLisboa

por Roni Nunes, Segunda-feira, 15.05.17

Artigo originalmente postado em C7nema: (http://www.c7nema.net/festival/item/46605-dez-curtas-metragens-a-nao-perder-no-indielisboa.html)

Dez curtas-metragens a não perder no IndieLisboa

POR RONI NUNES

 

 

O formato teve sempre amplo espaço no festival: vários realizadores que estreiam no certame com curtas retornam anos depois quando realizam uma longa. O C7nema foi saber com um dos seus diretores, Miguel Valverde, alguns dos destaques desta edição que é, segundo ele, umas das “mais politizadas de sempre”. O IndieLisboa iniciou quarta-feira (03/05) e segue até 14. As sessões de curtas-metragens iniciam dia 6 (sábado).

 

HOT WINTER: A FILM BY DICK PIERRE

Jack Henry Robbins, EUA, fic., 2016, 18'

Competição

Jack Henry Robbins é filho de Tim Robbins e Susan Sarandon e, segundo Valverde, faz uma espécie de “soft porn” erótica para tratar da temática ambientalista. “Nós percebemos claramente, em relação às personagens, que um deles é o Trump e as mulheres estão relacionados aos escândalos nos quais ele está envolvido”. 

 

DEKALB ELEMENTARY

Reed Van Dyk, EUA, fic., 2016, 20'

Competição

Filme que fala do fenómeno, cada vez mais comum na América, dos homens que entram em escolas armados para atirar em que passar pelo caminho. Em “Dekalb Elementary”, baseado numa história real,  assiste-se 20 de ume tensa negociação entre um destes sujeitas e a secretária, que tenta controlá-lo para não ser morta, ao mesmo tempo que funciona como intermediária nas negociações com a polícia. “É muito contigo, com ótimas interpretações”, assinala o diretor do Indie.

 

NYO VWETA NAFTA

Ico Costa, Portugal/Moçambique, fic., 2017, 21'

Competição

Um dos sinais distintos desta produção portuguesa filmada em Moçambique é evitar o realismo mágico normalmente associado ao cinema africano. Aqui o tratamento é de um tema quotidiano (no centro da história está o desaparecimento de uma mulher) que poderia ter acontecido em qualquer outro país. Premiado no Visions du Reel, já passou por Roterdão e neste momento faz uma importante carreira no circuito de festivais.

 

THE WELFARE OF TOMÁS Ó HALLISSY

Duncan Campbell, Irlanda/Reino Unido, fic./doc., 2016, 30'

Competição

Documentário e ficção ao mesmo tempo, o filme trata do retorno às origens de Duncan Campbell, premiado artista do Reino Unido. Quando decide regressar à sua terra natal, o realizador dedica-se a pensar no que é ser irlandês e comparar o país atual com aquele que deixou e nos anos 70.

 

DER WOHLWOLLENDE DIKTATOR/THE BENEVOLENT DICTATOR

Bernhard Braunstein, Martin Hasenöhrl, Albert

Lichtblau, Áustria/França, doc., 2016, 35'

Competição

O título do filme já é muito sugestivo e conta a história de um judeu foragido do holocausto e hoje vive no Malawi, país que não prima propriamente por um governo democrático. Ocorre que este personagem tem uma bela vida no país, recebendo pensões de Alemanha e Inglaterra e defendendo ideias perturbadoras sobre como é bom viver sob uma ditadura. Como observa Valverde, “é um filme que levanta imensas questões”.

 

115 DB

Lucile Chaufour, França, doc., 2017, 40'

Silvestre

Uma boa sugestão para fanáticos de automobilismo e de motas. O documentário uma prova no estilo das “24 Horas de Le Mans”, só que de motas. “Basicamente estamos nos bastidores a sentir a adrenalina, estamos a ver tudo o que está a acontecer, as mudanças de condutor, as máquinas, os computadores… tudo”.

 

GREEN SCREEN GRINGO

Douwe Dijkstra, Holanda, doc./exp., 2016, 16'

Silvestre

Politicamente é muito interessante, embora à partida possa parecer ingénuo”, diz Valverde desta proposta inusitada. O holandês Douwe Dijkstra foi ao Brasil na altura do golpe da destituição de Dilma e saiu pelas ruas com um “chroma key” a filmar pessoas. Ao mesmo tempo, lança o seu olhar de estrangeiro para tentar perceber o que se está a passar…

 

SEVINCE/WHEN YOU LOVE

Süheyla Schwenk, Alemanha, fic., 2016, 30'

Silvestre

Obra que retrata o amor proibido entre duas mulheres muçulmanas (uma iraniana e outra turca) que vivem na Alemanha. Ambas são casadas. Vivendo num país ocidental elas poderiam, eventualmente, fazer o que quisessem, mas pertencem a um universo mais restritivo nesta área. No caso de uma delas, por exemplo, o rosto só se vê passados dez minutos de filme, pois até mesmo na rua usa a burka.

 

FREMDKÖRPER/TRANSPOSED BODIES

Katja Pratschke, Gusztáv Hámos, Alemanha, fic., 2002, 27'

Silvestre Foco

Entre os projetos da dupla em Foco da secção Silvestre, o diretor do Indie destaca “Tranposed Bodies”, obra livremente inspirada num conto de Thomas Mann (“The Transposed Heads”) que, por seu lado, guarda semelhanças com a história que inspirou “Jules et Jim”. Para completar a mistura, este foto filme é, também, inspirado em La Jetee, clássico de Chris Marker. A história é de dois amigos que perdem, literalmente, a cabeça por uma mulher…

 

KILLING KLAUS KINSKI

Spiros Stathoulopoulos, Colômbia, fic., 2016, 21'

Director's cut

Na seção dedicada a filmes sobre cinema um dos destaques é a curta que vai investigar a história (ou mito…) envolvendo as relações entre o cineasta Werner Herzog e o ator Klaus Kinski durante as filmagens do clássico “Fitzcarraldo”. Reza a lenda que, às tantas farto do comportamento e do constante mau humor do ator, Herzog tenha pensado em matá-lo. Consta que a ideia teve apoio entusiástico dos índios – que ainda foram mais longe e deram a ideia de envenenar uma seta para alvejar o intérprete…

 

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por Roni Nunes às 18:58

IndieLisboa 2017: "Somniloquies"

por Roni Nunes, Segunda-feira, 15.05.17

Sonhos “in loco”

Eventualmente uma das propostas mais radicais deste IndieLisboa, “Somniloquies”, de Lucien Castaing-Taylor e Veréna Paravel, mergulha no universo onírico de um homem que falava enquanto dormia… por outras palavras, é como se as próprias portas do inconsciente fossem abertas.

 

 

Em causa estão os sonhos do cantor nova-iorquino Dion McGregor, que ao longo de sete anos na década de 1960, teve as suas movimentadas noites gravadas por um companheiro de quarto. Ele foi estudado por especialistas e considerado “o homem que mais fala a dormir” no mundo.

 

A seleção de trechos dos seus sonhos revelam muito humor, erotismo e detalhes pitorescos – como a descrição de uma cidade construída e habitada… por anões! 

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por Roni Nunes às 18:51

IndieLisboa 2017: crítica a "Viejo Calavera"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Crítica originalmente postada em C7nema (http://www.c7nema.net/critica/item/46629-viejo-calavera--dark-skull-por-roni-nunes.html)

 

viejo_calavera_still4_nightserch (Copy).jpg

 

O longínquo eletrohouse dos Kano embala bolivianas do século XXI. Elder (Julio Cesar Ticoa) tenta beijá-las, mas elas não estão interessadas. Ele terminou de chegar à discoteca depois de ter assaltado um transeunte. Italo-disco/Bolívia/Elder – a delícia kitsch para a abertura de “Viejo Calavera”, longa-metragem de estreia de Kiro Russo.

 

Tempos depois, a quase quatro mil metros acima do nível do mar uma alma penada chora pela montanha o filho morto. Sombras movem-se nas montanhas gélidas onde há criação de lhamas e uma pequena cidade sobrevive ao redor da mina de estanho. Huanuni.

 

Elder tem de voltar para lá. Ele é um dos protagonistas de filme mais moralmente inúteis já vistos por aí: passa a vida bêbado, a cometer furtos e a arranjar confusão. Sua tia da cidade já não o atura e, ao voltar para Huanuni, vai parar as catacumbas da cidade – a substituir o seu pai recém-falecido e, diferente dele, muito admirado pelos outros mineiros.

 

Esse filho pródigo vai perambular pelos labirintos sufocantes das minas. Com a sua displicência e uma incrível atitude “que se f* tudo e todos”, embriagado a uns bons quilómetros abaixo da terra firme, a sofrer acidentes irresponsáveis, ele não pode despertar nada melhor do que o ódio dos “compañeros”. Seu padrinho Francisco diz: “filho, toda a gente tem que tomar um rumo um dia” – palavras que entram a 10 e saem a 1000.

 

Os mineiros do mundo real ajudaram a financiar o filme do realizador boliviano Kiro Russo – a que aprendeu a fazer cinema na Argentina. Eles próprios estão lá, como atores não profissionais à boa maneira neorrealista, a protestar contrato o completo descaso do Estado para com uma vida dura.

 

O “dark” do título internacional (“dark skull”) é a palavra para a trajetória de Elder e seus colegas – a moverem-se (com o contraponto na imagem pela cinematografia de Pablo Paniagua) num território pleno de dificuldades laborais e existenciais. O filme peca, no entanto, pela história demasiado obtusa contada por Russo e por seu coargumentista Gilmar Gonzáles – onde nota-se que o maior esforço (e talento) está investido na composição visual e sonora.

 

 

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por Roni Nunes às 19:11

IndieLisboa 2017: "A Cidade do Futuro"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/diario-do-indielisboa-a-cidade-do-futuro-e-outros-destaques?artigo-completo=sim)

 

 

O “Halloween” chegou aos remotos confins do interior do Brasil. O que não o acompanhou foi a “modernidade dispensável” – aquela que vai aos fundamentos da estrutura patriarcal-cristã, intrinsecamente homofóbica.

 

Por isso não será uma grande ideia estabelecer um triângulo amoroso à vista de todos. Especialmente se for entre dois homens homossexuais e uma mulher grávida de um deles.

 

Mas é o que fazem os protagonistas de “A Cidade do Futuro”, Gilmar (Gilmar Araújo), Igor (Igor Santos) e Milla (Milla Suzart) em mais um registo de docuficção. Cada um à sua maneira vão enfrentar as diferentes reações de desprezo, silêncio, ódio e violência, da família e da população local.

 

A proposta dos realizadores Cláudio Marques e Marília Hughes entrelaça a trajetória do trio com as próprias origens traumáticas (e verídicas) da cidade onde se passa a ação – local surgido após uma enorme imigração forçada durante a ditadura para construção de uma barragem.

 

Trabalho bastante mais cadenciado do que o dinâmico “Depois da Chuva” – a obra anterior onde a dupla falava de jovens, anarquismo, luta contra o regime militar e outro momento marcante da história do Brasil, a transição para a democracia nos anos 80.

 

Dada a força que vem reencontrando os discursos de ódio primitivo, a existência de “A Cidade do Futuro” é um manifesto por si – e cujo título fornece um comentário para um passado de enormes mentiras e um futuro que ainda não chegou.

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por Roni Nunes às 17:27

IndieLisboa 2017: "Werewolf"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/diario-do-indielisboa-werewolf-e-outros-destaques?artigo-completo=sim)

 

 

Um casal e um cortador de relva. Nos dias difíceis em que a metadona pode ou não aliviar o processo de desintoxicação, eles testam os limites dos serviços sociais enquanto cortam relva aqui e ali. Enquanto não se cansam de um duro processo físico, enquanto a própria máquina não os abandona. Vivem numa roulotte, andam sujos.

 

Mas os processos não são iguais para Vanessa (Bhreagh MacNeil) e Blaise (Andrew Gillis). Em algum momento ela parece agarrar-se aos fiapos do momento presente – com o cabelo preso na loja dos gelados. Blaise continua a tremer e a arrastar-se como um “zombie” – com ideação suicida suspensa sobre a sua cabeça nesta espécie de versão canadiana para “Oslo 31 de Agosto”.

 

O filme norueguês trazia uma reconciliação impossível com o mundo tornado insuportavelmente vazio depois do abandono da droga; em “Werewolf” a ligação com a realidade, num lugar vagamente indistinto e num tempo onde a cronologia parece já não existir, é mais ténue.

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por Roni Nunes às 17:19

Entrevista: Leonardo Mouramateus, realizador de "António Um Dois Três"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Entrevista originalmente postada em C7nema (http://c7nema.net/entrevista/item/46606-conexoes-luso-brasileiras-uma-entrevista-com-leonardo-mouramateus.html)

 

Conexões luso-brasileiras: uma entrevista com Leonardo Mouramateus

Por Roni Nunes

 

Leonardo Mouramateus no programa A Vida é Curta!

 

O filme António Um Dois Três tem sessão especial no IndieLisboa este domingo (07/05). O realizador é brasileiro (Leonardo Mouramateus), o protagonista é português (Mauro Soares), os outros secundários mais importantes vêm do sul do Equador (Déborah Viegas, Daniel Pizamiglio) e a outra “personagem” mais importante do filme é… Lisboa. Os capitais para realização do filme são dos dois países. Uma coprodução luso-brasileira no mais completo sentido no termo.

 

Fiel às multiplicidades, este enredo livremente inspirado em Noites Brancas, de Dostoiévski, não conta uma – mas três histórias. Todas com os mesmos personagens, em diferentes momentos da vida de António (Soares), estudante desempregado, ator ou realizador teatral (conforme a situação). A estrutura complexa e o desafio ao espectador são garantidos.

 

Mouramateus, que com apenas 26 anos apresenta uma assinalável carreira internacional nas curtas-metragens, conversou com o C7nema sobre esta aventura lisboeta…

 

Como aconteceu da sua primeira longa-metragem ser produzida em Lisboa?

 

A minha desculpa para vir morar em Lisboa foi um mestrado na faculdade de Belas-Artes. O mestrado, de caráter teórico-prático, propunha que se desenvolvesse um projeto no correr de seus dois anos. Pareceu-me que a melhor maneira de utilizar esse tempo era dando continuidade às coisas e ao modo de fazer que já me interessava em Fortaleza. Uma produção de baixo-custo, que pudesse ser construída conforme fosse filmada.

 

Então, mais ou menos na mesma época, encontrei o Miguel Ribeiro e o Mauro Soares, o produtor e o ator do filme, que se entusiasmaram muito com a ideia. No início não tínhamos muita história – tudo o que sabíamos era que o António era um rapaz português que fugia de casa e ia passar a noite na casa da ex-namorada, ou seja, somente os primeiros dez minutos de filme.

 

Ficamos bastante tempo sem saber para onde isso iria, mas também não tínhamos muita pressa. O filme foi composto da vida e das piadas das pessoas da equipe, um poema ou outro, alguma música. Pensávamos, filmávamos uma parte, editávamos, e o que tínhamos nos dizia mais ou menos para onde devíamos ou não devíamos seguir. Seis meses depois filmamos a segunda parte e a terceira, seis meses depois disso.

 

Concorda que este é um filme, sobretudo, sobre arte e sobre artistas? Um dos temas, por exemplo, são as dificuldades financeiras e de ordem prática de alguém que envereda sobre este caminho...

 

Sim, o filme fala um bocado sobre arte e artistas, mas o António poderia ter outro trabalho e passar dificuldades financeiras entregando pizza, por exemplo. Naturalmente o facto de que eu tenha muitos amigos que são atores, e a própria experiência do Mauro (que é engenheiro e ator), ajudaram a escolher o universo.

 

Era importante que a linha que separa as cenas dos ensaios no teatro e as da vida cotidiana fosse quase invisível. E a gente consiga ver, assim como o António consegue sentir, que não existe dentro ou fora, o que é verdade ou o que é mentira.

 

É como no Ser ou Não Ser, do Lubitsch, sobre um grupo de teatro tentando sobreviver aos nazis. O melhor papel da vida dos atores do grupo se dá quando eles precisam fazer aquilo que eles sabem, que é atuar, literalmente, no hostil mundo em que vivem. Uma hora um dos atores fala um texto d“O Mercador de Veneza” para um grupo de nazis. Nunca, em nenhuma peça, eles foram tão verdadeiros quanto naquele momento.

 

Aquilo que o António e seu amigo Johnny (Daniel Pizamiglio) fazem é tentar sobreviver misturando o pouco que eles têm, suas próprias histórias, com seu trabalho. Que é algo que possível de ser visto não só nas artes, mas também no cotidiano de um entregador de pizza.

 

Mas é também um filme que faz pensar sobre os artifícios narrativos como, por exemplo, as diferentes possibilidades de enquadrar as vicissitudes de um mesmo protagonista...

 

A ideia era que não precisássemos de escolher qual a realidade “mais real” da história, porque todas elas são passíveis de existir, ao mesmo tempo. Não queríamos criar um filme como quem cria um dispositivo. A ideia inicial era que o António pudesse viver quantas vidas fosse possível, como o Charlot, que num filme está no circo e no outro está na fábrica.

 

Paramos na terceira, por que entre outros motivos, ali, o filme podia fechava um círculo, e acho que é possível perceber que entre o começo e o fim algo mudou nos personagens do António e da Débora.

 

Também há teatro e literatura na sua história. No caso que cita mais explicitamente, o de "Noites Brancas", em que pontos você identifica o texto de Dostoiévski com aquilo que pretendia para o seu filme?

 

O filme não é uma adaptação das “Noites Brancas”, mas devo ao livro algumas ideias. Os encontros fortuitos; a perambulação do personagem principal; os desencontros e, claro, um sentimento bastante jovem e meio delirante sobre o mundo.

 

Não é à toa que outros diretores se inspiraram nesse pequeno romance, de um jovem Dostoiévski apaixonado antes que lhe acontecesse coisas tão más na vida. Porque esse livro é de uma enorme simplicidade, vibra entre a euforia e a melancolia, e descreve muito bem aquilo que se passa dentro de alguém quando esse se depara com uma pessoa que dá novos significados a antigas palavras.

 

Tem apenas 26 anos e uma carreira considerável em termos de presença em eventos internacionais. Por que acha que tem alcançado esse sucesso?

 

Primeiro alguma sorte. Segundo tenho consciência de que ser de Fortaleza e produzir com alguma rapidez filmes de baixo-orçamento com os amigos faz acender um placar neon que diz “Novidade”, que é o que muitos festivais de cinema buscam.

 

Por último acho importante citar que tudo depende de imenso trabalho meu e dos meus amigos e colegas. E que, no centro disso, tudo está uma maneira alternativa de conviver e criar juntos. O cinema que me interessa, de Chaplin a Vecchiali, passa por esse sítio.

 

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por Roni Nunes às 16:55

IndieLisboa 2017: "António Um Dois Três"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (https://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/diario-do-indielisboa-fade-into-nothing-e-outros-destaques?artigo-completo=sim)

 

 

Três momentos complexos

 

Nem sempre é claro o que é fantasia e o que é realidade em “António Um Dois Três”, de Leonardo Mouramateus. E o espectador, cabe dizer, não terá vida fácil ao lidar com os três diferentes momentos desta história. Ao conectá-los, dificilmente o poderá fazer baseado num prosaico sentido de lógica protocolar de causa-e-efeito hollywoodiano (ou não se estivesse no IndieLisboa).

 

O protagonista (vivido por Mauro Soares) é identificado com o Sonhador, por sua vez personagem principal de “Noites Brancas”, obra de Dostoievsky que inspira muito livremente o filme. Ele é expulso de casa após o pai receber uma carta a informar que não frequenta a universidade há um ano. Vários episódios sucedem-se: encontra a ex-namorada, conhece uma estudante brasileira, vai viver nas traseiras de um teatro. Mas estes são apenas elementos da primeira história…

 

Uma coprodução luso-brasileira no mais amplo sentido do termo (produção, elenco, enredo), o filme traz Lisboa como personagem, captada através do olhar estrangeiro e com aquilo que o fascina – as ruelas, escadarias, cafés, elétricos e as suas luzes vistas do outro lado.

 

A narrativa é complexa e há mais – os diálogos teatrais e um contínuo pensar da arte de contar histórias e seus artifícios – misturando-se aqui ali as convenções do teatro, do cinema, da literatura, que faz pensar sobre os seus artifícios.

 

Mouramateus tem apenas 26 anos, mas já vai com cinco curtas-metragens com participações e prémios em Locarno, Rotterdão, DocLisboa e outros.

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por Roni Nunes às 16:50

IndieLisboa 2017: "Fade into Nothing"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Artigo originalmente postado em SAPO MAG (https://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/diario-do-indielisboa-fade-into-nothing-e-outros-destaques?artigo-completo=sim)

 

 

Hoje em dia não é fácil transgredir quando os limites já há muito se desvaneceram no nada.

 

Mas “Fade into Nothing” é um “feel good movie” experimental, onde os devaneios do protagonista (Paulo Furtado/The Legendary Tigerman) dão-se ao sabor dos longos “delays” da sua guitarra e das “polaroids” de deserto e mulheres nuas submetidas a velhos processos de “efeitos especiais”. Estes são tão antigos como o “tape recorder” que crava no espaço as deambulações filosóficas do protagonista.

 

E se há excesso de palavras inglesas nesta descrição de um filme da Competição Nacional, é porque ele é falado em inglês e rodado nos Estados Unidos.

 

A “história” trata de um personagem que quer “desaparecer” no nada. Para isso, acompanha-se de um manual rigorosamente inútil (“How to Disappear Completely and Never Be Found”, de Doug Richmond) e avança sem rumo pelo deserto da Califórnia. Ao mesmo tempo, espera que as suas palavras “mudem de significado” enquanto perde-se sob o calor escaldante, encontra mulheres com quem não fala, testemunha factos pitorescos, conduz indefinidamente.

 

É um projeto multidisciplinar: a fotógrafa Rita Lino já fez muitas provocações que incluem a própria nudez; o “The Legendary Tigerman” Paulo Furtado dispensa apresentações e Pedro Maia, realizador de um vídeo de um álbum do músico, “Masquerade”, assina uma realização que trata de conjugar as múltiplas facetas deste experimento sensorial

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por Roni Nunes às 16:43

Entrevista: André Valentim Almeida, realizador de "Dia 32"

por Roni Nunes, Domingo, 14.05.17

Entrevista originalmente postada em SAPO MAG (http://mag.sapo.pt/cinema/atualidade-cinema/artigos/indielisboa-portugal-futebol-e-o-apocalipse?artigo-completo=sim)

 

IndieLisboa: Portugal, futebol e o apocalipse

POR RONI NUNES

 

André Valentim Almeida esteve na Competição Nacional do IndieLisboa com "Dia 32". Do retorno a casa com uma arca de imagens do fim do mundo ao projeto da “Liga dos Últimos” em França, o SAPO Mag foi descobrir o que acontece depois que tudo termina…

 

 

André Valentim Almeida faz filmes sozinho, muito pessoais, onde os seus princípios filosóficos convivem com as imagens de uma câmara portátil.

 

Dois dos principais festivais de cinema portugueses gostam deles: “From New York with Love” foi parar ao Indie e “A Campanha do Creoula“ ao DocLisboa, onde recebeu o prémio da Doc Alliance. E agora, “Dia 32” retorna ao Indie.

 

Deste cinema muito particular e, especialmente, em relação ao seu último trabalho, o SAPO Mag foi saber do realizador o que ele guardou na sua “arca de imagens” antes do fim do mundo – o principal artifício que conecta as idas e vindas dentro do filme.

 

 

Ao mesmo tempo, André saboreia um retorno à casa que redefine Portugal no seu imaginário depois de viver em Nova Iorque – com um enfoque muito diverso de “From New York with Love” e que deixa muito bem na fotografia (literalmente) a sua terra natal.

 

Depois do fim do mundo e da Lusitânia, a próxima paragem é a França, onde começa em setembro as filmagens de “Os Futebolistas Invisíveis”. Aí promete, mais uma vez, um olhar muito original sobre a vida dos portugueses no país – tomando por base os 200 (!) clubes de futebol de origem lusa no território francófono.

 

No filme, você promove uma espécie de “livre associação” onde o que parece ligar os eventos é uma ideia de fim, de apocalipse.

 

Sim, sempre tive essa ideia de fim. Não sei se em mim essa preocupação é mais forte do que nas outras pessoas, mas é um pensamento recorrente. E daí vem a questão do apocalipse. Mas quando comecei a investigar percebi que não podia pensar no assunto de uma forma tão redutora – afinal… que fim é esse? O da Terra? Da espécie? O meu? O que vem a seguir? Então comecei a procurar uma espécie de rumo para este ponto de partida. Claro que sempre tive em mente a questão das alterações climáticas, é algo que me marca profundamente. Nós em Portugal não temos muito essas noções – até porque não temos quaisquer eventos meteorológicos relevantes.

 

E interliga a tragédia coletiva com a sua trajetória individual…

 

Sim, depois existe o “eu” no meio disto tudo. O nosso fim pessoal também é apocalíptico. De qualquer forma, um amigo fez uma análise sobre mais de uma centena de filmes sobre o assunto e, com exceção de três ou quatro, em todos os outros aparece uma solução no final. Fica sempre um pequeno núcleo ao qual nós também pertencemos, pois achamos que somos espetaculares [risos]. Portanto, há de forma permanente um desejo de reinício. Nós queremos um fim para varrer o que não interessa, para reconstruir tudo de outra forma.

 

Aliás, esta ideia anda de volta na política, com Donald Trump, Marina Le Pen… Há essa fantasia genocida, de eliminar “o que não presta”…

 

Exatamente! Não é por acaso que utilizei as imagens da bomba atómica com a bandeira dos Estados Unidos. Queira conectar o filme com esse momento profundamente assustador em que vivemos – com o retorno destes conceitos de eugenia [possibilidade de melhoramento da espécie humana], raça superior e nacionalismos bárbaros. “Dia 32” tem isso incluído: ao fazê-lo, fui contaminado pelas ramificações do que está a acontecer.

 

Mesmo assim as imagens de nascimento e as belezas naturais contrapõem um tom sombrio…

 

O nome “32” revela essa profunda circularidade na vida, tudo é renovável e volta à origem. Apesar de achar que vivemos um período terrível, onde Le Pen poderia ter ganho e iniciado uma governação destinada ao caos, há sempre uma centelha de esperança, é cíclico. O filme tenta fazer isso, mostrar ciclos que se repetem.

 

Acaba por ser otimista…

 

Sim, por um lado presume a extinção da espécie, mas também há uma arca porque se sabe que haverá novas possibilidades no futuro. É como dizer ‘atenção, vejam isso, não cometam os mesmos erros que nós cometemos’. Digo isso, mas sabemos que se houver continuidade, eles vão fazer tudo novamente errado [risos].

 


Não foi fácil selecionar as imagens da sua “arca de imagens” para os habitantes do futuro…

 

É um trabalho impossível, aliás, cada vez mais – e pressupôs um trabalho enorme de pesquisa no YouTube. Neste sentido, o filme também procurar ser uma crítica desta profusão de imagens, da substituição das pessoas por elas. Estamos obcecados pela comunicação imagética. O excesso de imagens é a sua ausência, uma vez que não temos capacidade para discerni-las…

 

 

 

Mas no final faz uma espécie de escrutínio destas imagens…

 

É uma sequência com muitas leituras possíveis, estamos a regressar à origem do cinema. Este começa com tomadas com cenas curtas de pequenos factos da vida, e em 2017, estamos a fazer novamente isso. A diferença é que todos podem fazer e mostrar. Hoje é difícil sensibilizarmos com a imagem, temos uma sociedade muito superficial, a tecnologia tem esse lado perverso de banalizar.

 

Outro aspeto notório é a mudança de enfoque em relação à sua visão de Portugal, que era bem mais crítica em “From New York with Love”.

Há sempre uma evolução, claro. Gosto de mostrar o que estou em sentir no momento e tanta coisa mudou durante o processo de produção que, em alguns momentos, não tinha certeza sobre o que mostrar. Mas, de facto, quando fui para Nova Iorque, tudo era extraordinário, colorido, a arte estava em todo o lado.

 

À medida que o tempo passa começo a sentir aquela nostalgia de Portugal cada vez mais forte. Nova Iorque é uma cidade muito politicamente correta. Dou um exemplo: ainda hoje fui almoçar num restaurante que é inspirado nos Estados Unidos e uma empregada de mesa diz-me que ‘a minha razão é servi-lo bem’. Isso não é português, afinal não há nenhuma ‘razão em servir-me’ para aquela pessoa que está ali a não ser o facto de precisar do trabalho. Na América há um sentido de farsa, uma simpatia e um sorriso permanentes. É tudo demasiado forçado, para um português é bastante cansativo. Falta uma certa naturalidade naquele país. Nós somos extirpados de uma certa humanidade para sermos “felizes”.

 

Nós aqui queremos queixar-nos da vida, faz parte. Nós encontramos a nossa felicidade neste estado depressivo [risos]. Em Nova Iorque não se pode fazer isso – quem faz é uma pessoa sombria, estranha, rude. Claro que, por outro lado, com a atitude que têm, eles fazem as coisas acontecerem.

 

Já tem um novo projeto?

 

Sim, já há financiamento para fazer um filme sobre a comunidade portuguesa em França. Será um documentário que visa um olhar sobre as comunidades. Vai chamar-se “Os Futebolistas Invisíveis” e, à partida, começo a filmar em setembro. O enfoque parte de um facto que pouca gente sabe – existem mais de 200 clubes de futebol em França com origem portuguesa. Achei que seria um bom ponto de partida para falar dos emigrantes.

 

Parece a “Liga dos Últimos”…

Exato, mas é ainda pior! [risos]. Ainda não fui lá, mas vês as imagens e pensas… que Portugal é este que está aqui? [risos].

 

 

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por Roni Nunes às 16:29


Comentários recentes

  • Cleber Nunes

    Sem dúvida é um filme que me despertou interesse ...