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IndieLisboa 2018: Studio 54

por Roni Nunes, Segunda-feira, 14.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

Diário do IndieLisboa: era uma vez, na terra da
 

Entre as muitas histórias de ascensão e queda do Império do Hedonismo que invadiu a cultura ocidental a partir dos anos 70, a de "Studio 54" é das mais emblemáticas. Com os grandes ideais dos anos 60 em queda livre, preparando o terreno para o "prazer pelo prazer" dos anos 80, os anos 70 viram as utopias naufragarem no mar do diversão eterna. Num local específico, em Nova Iorque, esse Império teve um símbolo: o Studio 54.

 

A discoteca criada a partir de um velho teatro num lugar da cidade que, segundo um testemunho, era "o local ideal para ser assaltado", podia ter sido qualquer outro empreendimento comercial de Steve Rubell e Ian Schrager, que não tinham como sonho especial investir na área do entretenimento noturno. Uma vez a oportunidade surgida, foram apenas 33 meses apoteóticos de um símbolo de extravagâncias, muito cocaína, celebridades, multidões barradas do lado de fora, notícias de primeira página na imprensa e, claro, "disco music".

 

Schrager é quem conta essa história, uma vez que Rubell morreu em 1989 vítima de complicações decorrentes da SIDA. Os testemunhos daqueles que conseguiam lá entrar recordam uma apoteose de diversidade, um raro lugar onde os homossexuais se podiam manifestar e de convivência entre ricos e pobres (ser famoso não era o único critério para permitir a entrada) e celebridades e ilustres desconhecidos.

 

A assombrosa ascensão da dupla, que mostra talento empresarial e um enorme sentido de exposição pública de um lado, explica por outro o despreparo para lidar com o sucesso. O melhor exemplo é o absurdo do livro de contabilidade da empresa... onde até estava descrito o montante que devia ser desviado das Finanças! Este último viria ser a peça-chave de uma queda incontornável – parecendo arrastar consigo uma época de libertação que cederia espaço ao conservadorismo da era de Ronald Reagan.

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por Roni Nunes às 00:15

IndieLisboa 2018: Teenage Superstars

por Roni Nunes, Segunda-feira, 14.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

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No IndieMusic, "Teenagers Superstars" retrata mais um movimento na esteira do "punk".

 

Glasgow, início dos 80: havia uma banda chamada The Pastels, que ostentava um mentor de todo o circuito, Stephen McRobbie. E daí para outras mentes: Bobby Gillespie, "raivoso, criativo e ambicioso", dono de uma coleção de discos invejável. Gillespie, pré-Primal Scream, esteve presente como baixista quando os irmãos Reid (recentemente a visitar o álbum em concerto lisboeta) descobriram a microfonia para dar uma atitude às suas músicas com três notas e extasiar a crítica inglesa e figurar no topo das listas das bíblias da Melody Maker e do New Musical Express. "Psychochandy" figurou no topo das listas de melhores de 1985.

 

Outro pilar será Alan McGee, que descobriu ao chegar em Londres que, incrível, não havia espaço para a sua banda tocar. Ele cria o seu próprio espaço (Living Room, palco para muitas bandas novas) e, para figurar na História, o selo Creation – que fixou ícones ímpares do cenário "indie" (entre as quais as bandas já citadas) até encontrar o pote de ouro no fim do arco-íris com os Oasis.

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por Roni Nunes às 00:13

IndieLIsboa 2018: Here to Be Heard - The Story of The Slits

por Roni Nunes, Segunda-feira, 14.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes.

 

A baixista Tessa guarda com carinho uma série de recortes dos seus tempos de Slits. É com eles que o filme começa: é a história de muitos jovens que revolucionaram o mundo do rock no final dos anos 70. Saturados com a hipocrisia do mundo dos grandes dinossauros na música e, num âmbito expandido, da sociedade inglesa em geral, ergueram a bandeira do "faça você mesmo" e abriram um mundo de possibilidades mesmo para quem só sabia tocar um par de notas na guitarra.

 

O que interessava era a atitude. E isso Ari-Up (vocalista) tinha o suficiente para contagiar as restantes – particularmente Palmolive (que tocava bateria como se o mundo fosse acabar) e a guitarrista Viv Albertine. Com um "line-up" instável desde o início, no seu primeiro álbum tiveram Budgie, mais tarde célebre "partner" de Siouxie, na bateria.

 

O "punk" incomodou os conservadores britânicos, que menos preparados ainda estavam para mulheres a tomarem as suas próprias decisões, vestirem-se de forma irreverente e, principalmente, tocar alto, pesado e sem se importar com a opinião alheia. Tiveram dificuldades em deixar de ser a "banda de abertura" dos Clash e dos Sex Pistols, mas ao rasgarem o "papel" que estipulava o lugar da mulher na sociedade lançaram o caos num existência curta.

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por Roni Nunes às 00:01

IndieLisboa 2018: L7 - Pretend We're Dead

por Roni Nunes, Domingo, 13.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

Diário do IndieLisboa: mulheres armadas de guitarra e atitude, rock, poder
 

A história começa em Los Angeles, quando uma emigrada de Chicago (Donita Sparks) juntou-se à uma local (Suzi Gardner) com o simples desejo de fazer rock. Isso no final dos anos 80.

 

Com a formação já completa (Jennifer Finch no baixo, Demetra Plakas na bateria) tiveram de emigrar para Seattle para respirar um ar mais recetivo as contribuições femininas numa música dominada por homens. Lugar mais propício não havia: em plena efervescência do "grunge", foram devidamente convidadas pelo grande selo "indie" do momento, a Sub Pop, que as levou a "Smell the Magic" – álbum produzido por Jack Andino, o mesmo de "Bleach", dos Nirvana.

 

Daí para almejar (e conseguir) um contrato maior de distribuição foi um passo: a Warner podia lá não saber muito o que fazer com elas, mas teve a clarividência de as pôr nas mãos de Butch Vig – simplesmente o homem que no momento trabalhava nos multiplatinados álbuns de Nirvana, Smashing Pumpkins e Sonic Youth. O resultado foi uma pérola chamada "Bricks Are Heavy", repleto de "riffs" e refrões pegajosos em músicas inesquecíveis como "Shitlist", "Everglade", "Monster" e "Pretend We’re Dead". O álbum é a razão pela qual a banda será sempre lembrada.

 

"Pretend We’re Dead", o filme, acaba por não revelar muito sobre elas – preferindo relatar antes os seus gostos manifestos por parvalheiras, loucuras e apanhados nas "tours" (incluindo uma célebre "fake news" sobre uma ameaça de bomba na rodagem de um teledisco supostamente realizado por… Viggo Mortensen!) e as festas por onde passam celebridades "indies" como Nick Cave.

 

Sim, o célebre momento do "tampax" no festival de Reading (cansada de levar com lama de uma audiência furiosa com os problemas de áudio do concerto, Donita Sparks mandou um "tampax" usado para a audiência gritando "Eat my used tampon, fuckers!") também lá está, tal como o outro onde ficou nua da cintura para baixo num brejeiro programa com público da TV britânica.

 

Mas como na história do "rock’n’roll" não há farra que não termine numa bruta ressaca, as coisas começaram a azedar com o sucessor de "Bricks Are Heavy", chamado "Hungry for Stinky", lançado em 1994. Poucos anos depois, uma vida de desgastes e excessos, tal como a perda do sucesso comercial, começaram a fazer mossa.

 

A primeira a acusar o golpe foi Finch, que abandonou a banda no meio da gravação de "The Beauty Process: Triple Platinum" (no filme justifica a decisão em função da morte do pai e das preocupações com a sua saúde); mais tarde Gardner, num dos poucos testemunhos de amplitude emocional do filme, lamenta ter acabado "sem nada" – incluindo ter chegado aos 40 anos sem ter uma família.

 

A banda nunca expôs publicamente a degradação dos relacionamentos entre elas e, numa entrevista, Donita Sparks disse que na altura deste documentário elas não se falavam há longos anos e que gravaram separadamente os áudios para o filme. As coisas mudaram tempos depois quando, independente das diferenças pessoais, reagruparam-se para algumas "tours". Afinal, elas apenas estavam a fingirem-se de mortas.

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por Roni Nunes às 23:45

IndieLisboa 2018: French Waves

por Roni Nunes, Sábado, 12.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

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A vastidão e a riqueza musical da cultura negra norte-americana serviu de fonte para os franceses, que foram buscar a Frankie Knuckles e aos diversos palcos da "house" americana (Chicago, Detroit, Nova Iorque) a inspiração para um movimento destinado à massificação e expansão internacional. A história é contada por Julian Starke em "French Waves", obra integrante de uma ação multimédia que inclui uma série, uma tour e um site.

 

Conforme recorda Laurent Garnier, os DJs foram uma possibilidade posterior de rebeldia para uma geração que não tinha idade para beneficiar dos feitos revolucionários dos "punks". Mas o espírito de libertação coletiva foi levado suficientemente a sério pela polícia, pelo menos quando esta conseguia localizar as "raves" clandestinas que passaram a ser construídas em nome de uma celebração comunitária.

 

Os grandes ideais do passado estavam enterrados, mas essa vivência assumidamente hedonista ("era um movimento sem demandas", recorda o DJ Agora) continuava a ter o seu "quê" de rebeldia. "Porquê importar esse lixo da Inglaterra?", bradavam os conservadores.

 

Além de Garnier, muitos nomes destinados a cruzar as fronteiras dão o seu testemunho, como o multiplatinado Bob Sinclair, Cassius, Agora, Jacques, Justice e o "espectro" dos Daft Punk, pioneiros da música eletrónica francesa a mostrar que sucesso não comprometia a integridade.

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por Roni Nunes às 14:47

IndieLisboa e o "hip hop" do Porto: a história que "não se consegue contar duas vezes"

por Roni Nunes, Sábado, 12.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

IndieLisboa e o hip hop do Porto: a história que
 

É a longa história de um movimento que começou em alguns locais específicos do norte do país e depois cresceu. O documentário "Não Consegues Criar o Mundo Duas Vezes" mostra a história de miúdos, as suas convivências em locais específicos do grande Porto e gosto por uma música ainda desconhecida que vinha dos Estados Unidos, o hip hop. Vencendo resistências, nomes como os Mind da Gap (foto em cima) e Dealema (foto em baixo) inscreveram-se no panorama musical português.

 

Francisco Noronha e Catarina David contam essa história. O filme tem sessão única no festival IndieLisboa esta quinta-feira (3).

 

SAPO Mag: Ao longo do filme dão muita relevância aos espaços, aos locais onde se passaram as ações. A ideia é demonstrar que essas manifestações culturais estão profundamente ligada às paisagens humanas de um determinado local?

 

Francisco Noronha: Sim, essa ligação é evidente, é fundamental, ou seja, não se podem separar as duas coisas, sobretudo num tempo como o de criancice e de juventude como o que é retratado no filme. Quando somos miúdos toda a gente passa por isso, habitamos determinados locais e até há alguns nos quais passamos a maior parte do dia em vez de ser em casa. É um hábito bonito e se calhar nunca mais vamos fazer isso, passar assim tanto tempo na rua. Nesse sentido, sem dúvida que as duas coisas andam sempre ligadas, o filme é um documentário sobre o Porto, Matosinhos, Gaia e, ao mesmo tempo, sobre locais mais específicos dentro dessas cidades, como a Câmara Municipal de Matosinhos e o espaço à sua volta, as ruas de Gaia, à volta do Hard Rock, Cedofeita e outras ruas da baixa do Porto.

 

Catarina David: As ruas do Porto marcam muito isso, marcam o espírito onde as pessoas convivem, falam todos os dias e se identificam. Traz muitas memórias pessoais e vivências nesses próprios sítios.

 

SAPO Mag: Ainda sobre a questão do espaço, os vossos entrevistados destacam frequentemente o facto de serem do Porto e das diferenças em relação a Lisboa.

 

CD: É verdade que é preciso reforçar isso, falamos no filme sobre haver uma escola do Porto, um sotaque de lá. Quanto temos cidades com uma vida bastante diferente isto reflete-se nas suas pessoas, nos “rappers” e em todos os envolvidos nos estilos musicais que representam esse local. No Porto acaba por haver muito a necessidade de se afirmar um espírito “tripeiro” e de local, do estilo "isto é o nosso espaço, o nosso terreno". Lisboa é muito maior, muito metropolitano, por isso não existe essa coisa tão vincada. No Porto o grupo que começou isto lá acabou por ter esse convívio – algo que também se reflete nas músicas.

 

FN: Essas diferenças mostram a riqueza de um país, os seus dialetos, as suas cores, são saudáveis. Na altura eram maiores, mas hoje estão mais esbatidas como se percebe ao longo do filme. Há uma música em que os Mind da Gap falam sobre isso, "Norte Sul" que é lançada logo no "Sem Cerimónias", que é o primeiro álbum deles. Aqui já há, precisamente, um espírito de encontrar amizades e "boa onda" entre pessoas de sítios diferentes.

 

 

SAPO Mag: O hip hop e o rap tem uma grande tradição de cultura de rua nos Estados Unidos – ligados também a outras formas de expressão, como o grafite e o "breakdance". Em Portugal não havia nada assim até os artistas que retratam começarem a atuar. O título do vosso filme reflete esse momento criador, que não pode ser reinventado "tal como o 'big bang'"...

 

CD: Era não só uma coisa de memória, de gravar uma coisa importante como o início de um estilo musical importante para a malta jovem. Este momento criador era muito importante para quem estava envolvido nele. Eram miúdos que estavam a conhecer um estilo novo que vinha dos Estados Unidos, com pouco acesso a ele, o que também lhe conferia um ar misterioso, dava mais vontade de fazer pesquisas sobre isso e de partilharem com quem iam encontrando e que tinham os mesmos gostos.Acabavam por ter um "mini" movimento, uma "mini" cultura, à medida que iam conhecendo pessoas. Isso foi bom de se mostrar no documentário, eles arranjarem os primeiros espaços para tocarem, para pintar, a descobrir que aquela pessoa está a usar as mesmas roupas que eu. É uma construção de um grupo, de um género musical.

 

 

FN: A acrescentar que a ideia do "big bang" é uma ideia bonita e que também aparece no filme. Por isso também no nosso título procuramos recuar até esse momento fundador, mesmo que, historicamente, ele nunca possa ser extremamente exato. O título simboliza que não se podem repetir as coisas que acontecem em determinados momentos e elas são bonitas por isso mesmo. Não quer dizer que o que vem depois seja pior ou desiluda, simplesmente houve momentos que foram o início e que têm a sua própria beleza.

 

SAPO Mag: Também em Portugal havia uma diferença grande em relação aos Estados Unidos. A questão racial era menos importante e não era um movimento do gueto, eram jovens brancos, de classe média. A certa altura no filme alguém diz que às tantas já se rimava sobre "outros planetas" porque os temas dos problemas do bairro não eram tão relevantes...

 

FN: É uma questão interessante que se prende essencialmente com o facto de, no Porto, ao contrário de Lisboa, existir uma presença mais reduzida de comunidades africanas oriundas das antigas colónias portuguesas. Lisboa teve sempre mais presente essas comunidades que hoje já vão em duas ou três gerações; no Porto só começou esse movimento mais tarde. Em Lisboa o hip hop tem desde o início a grande marca da cultura negra, que pessoalmente admiro, que mais oiço. Por outro lado, mesmo sendo feito por um número maior de pessoas brancas no Porto, ele não deixa de ser um rap consciente, de rua, combativo, de intervenção. Também existe um olhar sobre os bairros sociais, tal como em Lisboa.

 

CD: Ao mesmo tempo que é feito por vozes representativas da classe média, são vozes representativas de gente que vive no bairro, são pessoas que passam essa mensagem cá para fora.

 

SAPO Mag: Por que acham que houve tanta resistência no início aos Mind da Gap e ao rap/hip hop português?

 

FN: O hip hop era um género novo e havia um grande preconceito – como ainda hoje há. Ainda há pouco tempo um músico português muito conhecido deu uma entrevista em que falava do rap como uma expressão artística que não era música. Este tipo de coisas hoje ainda se dizem, por incrível que possa parecer. Há 20 anos era mais difícil não só em Portugal, mas em toda parte, mesmo em países como Estados Unidos, Brasil, França. Os Mind da Gap sofreram esse preconceito porque, além disto, eram do Porto – numa altura onde imprensa e a antiga vanguarda estava representada em Lisboa. De qualquer forma, são águas passadas.

 

 

SAPO Mag: Em relação à aceitação posterior, para quem cresceu nos 80 e 90 há um certo desapontamento com o facto de que as tendências musicais e as atitudes que se interligavam com elas diluíram-se num "mainstream" globalizado. No final alguém pergunta: "hoje o hip hop está massificado. Mas não era isso que nós queríamos???". Como vêem essa relação entre identidade e massificação na cultura atual, do hip hop em particular?

 

FN: É algo comum a vários fenómenos, comum a toda a arte. Desde adolescentes que achamos que só nós gostamos e partilhamos algo com os amigos e, passado um mês, quando já toda a gente gosta, vamos começar a perder a identificação pessoal. É normal. Existe uma massificação do hip hop, que é hoje a música mais ouvida em "streaming" no mundo. As vendas ultrapassaram as do rock pela primeira vez na história norte-americana. É uma boa frase do filme essa que menciona. A massificação tem sempre esses dois lados – por um lado pode entristecer-nos um pouco e por outro lado tem a vantagem de podermos levar as coisas de que gostamos a todo o lado e mostrar a mais pessoas. Posso entristecer-me com uma situação ou outra, mas vivo bem com a massificação. Gosto do rap e se posso ouvi-lo em vários sítios fico feliz por isso.

 

CD: É uma questão complicada porque realmente há um aspeto positivo e outro negativo dessa massificação. Por um lado é bom sair à noite, por exemplo, e ouvir a música com que se identifica; por outro lado é uma quase banalização que parece tirar um bocado da magia da cultura e do movimento e da forma como as pessoas se agarravam ao hip hop no início. Essa identificação com o estilo, com o movimento, com o grafite, o "breakdance" e o DJ acaba por perder um pouco o encanto com a banalização.

 

SAPO Mag: Como foi a produção do filme? Levaram muito tempo a reunir as possibilidades de entrevistar estes músicos todos?

 

FN: O mais importante é que é um filme produzido inteiramente por nós, somos realizadores independentes. Demorámos cerca de um ano e meio entre começar e acabar – o que faz algumas pessoas ficarem surpreendidas. Neste período fizemos mais de 40 entrevistas, recolhemos material de arquivo, selecionámos material, passámos horas e horas a ouvir pedaços de áudio e a selecionar imagens para a montagem do filme. Foi um processo árduo, trabalhoso, muito cansativo, sendo que nenhum de nós esteve a trabalhar exclusivamente no filme. Temos outros trabalhos, outros projetos, fomos fazendo o filme conjugando com as nossas outras atividades, o que reduz o tempo de disponibilidade. Batalhámos muito para conseguir fazer o que fizemos. Mas isso também traz uma certa sensação de aragem, de liberdade e de amor feito por aquilo. Muito trabalhoso mas muito apaixonado.

 

CD: Nós temos este amor ao hip hop e acabamos por fazer isto com uma vontade muito grande e mesmo com essa luta que o Francisco mencionou, apesar disso acabamos por estar muito apegados a este projeto. Em relação às entrevistas destas pessoas, tivemos uma receção muito boa, achamos que é de valorizar a recetividade dos artistas para nos responderem e só nos apetecia ficar horas a falar com eles. Por isso ficámos com muito tempo de filmagens, o que tornou a edição muito complexa.

 

SAPO Mag: Por que acharam que era o momento de se fazer um retrato sobre o rap/hip hop no Porto?

 

FN: Todos os momentos são bons, não houve razão específica, temporalmente falando, foi no ponto da nossa vida em que entendemos que tínhamos reunindo as condições, o entusiasmo e a vontade para nos juntarmos e levarmos o projeto para a frente.

 

CD: Há uma vantagem, que nem foi escolha nossa: como é um assunto com o qual temos um certo à vontade, conseguimos ter alguma proximidade em termos de memória, de arquivo, de fotografias e de coisas que os envolvidos nos poderiam dar e que se calhar ficariam perdidas se fosse daqui a uns anos. Estão mais frescas na memória e foi mais fácil para eles passarem-nos isso agora.

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por Roni Nunes às 14:41

IndieLisboa 2018: Milford Graves Full Mantis

por Roni Nunes, Quarta-feira, 02.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

 

Milford Graves, baterista que começou a sua carreira nos anos 60 e é considerado um dos inventores do “free jazz”, está mais conectado ao mundo dos vivos. Se na história ele é considerado o homem que libertou a batida dos tempos definidos, ele aqui conta como estas alterações estão impregnadas de uma base filosófica e experimental.

 

Jake Meginsky e Neil Young viram estrear em Roterdão essa obra que, de toda a secção IndieMusic, é das que mais tentam fazer jus, em termos de linguagem cinematográfica, a um homem que conjuga em si a rebelião com a forma. O filme desenrola-se entre iconografia sugestiva (máscaras e estátuas, africanas ou pré-Clássicas), passagens em preto-e-branco, cortes abruptos, uso do "split screen", performances a solo e um repouso no jardim onde Graves aparece pela primeira vez manifestando as suas filosofias.

 

"Milford Graves Full Mantis" exprime ainda, com longas filmagens amadoras feitas durante acontecimentos remotos, os seus conceitos inventando uma nova forma de artes marciais ou tentando atingir a emoção de crianças autistas no Japão com uma performance visceral.

 

Uma descoberta que o deixa particularmente satisfeito é o álbum “Heart Recordings”, onde um médico gravou os batimentos do coração. Graves fez os seus próprios: há de ser um dos primeiros momentos musicais saídos de uma experiência com um eletrocardiograma. Isso para estipular que se os batimentos do coração não são ordenados, porque é que a percussão haveria de ser?

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por Roni Nunes às 23:23

IndieLisboa 2018: Matangi/Maya/M.I.A.

por Roni Nunes, Quarta-feira, 02.05.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

 

Os "medias" não ficam muito bem na fotografia em "Matangi/Maya/ M.I.A.", de Steve Loveridge. A cantora e compositora M.I.A. poderia viver sossegada na sua qualidade de estrela pop se resolvesse fazer o que a maior parte da humanidade faria no seu lugar – borrifar-se para tudo e usufruir de fama e fortuna. Em vez disto meteu-se numa guerra contra o "establishment" da comunicação social, radicalmente intolerante a desvios da norma – ou seja, a do entretenimento acéfalo e apolítico em estado puro.

 

M.I.A. nasceu no Sri Lanka e mudou-se com a família para Londres aos oito anos para fugir de uma guerra civil destinada a uma vida longa. O pai, membro dos Tigers Tamil, ficou. Com momentos intermitentes de paz, o conflito durou quase 26 anos. Pior: terminou em acusações de genocídio à minoria "tamil", a qual pertence, crimes contra a Humanidade e a abstenção das Nações Unidas em evitar os massacres.

 

M.I.A. resolveu denunciar isso tudo nos "media" das democracias ocidentais: acabou refém de um contradiscurso (no Sri Lanka os rebeldes são designados como "terroristas") e de tentativas mais ou menos bem-sucedidas dos apresentadores de televisão ocidentais em retirar o poder dos seus discursos (há pelo menos um momento notável neste sentido exibido no filme). A situação "piorou" quando a causa foi estendida a palestinianos e povos africanos e a "rapper" garantiu, desde o seu primeiro álbum, um rígido controlo para entrar e sair dos Estados Unidos.

 

Quanto à música, também por lá anda. A cantora fala de processos de escrita e criação e o filme acompanha paralelamente uma carreira que conta com cinco álbuns a reunir um raro consenso de sucesso comercial com críticas positivas. Conforme declara no início, ela estaria enterrada no mundo do álcool e das drogas se não se expressasse convenientemente. Mais algum artista alinha?

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por Roni Nunes às 23:05

IndieLisboa 2018: Desolation Center

por Roni Nunes, Segunda-feira, 30.04.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

 

Um momento histórico que não desperta boas memórias, marcado por conservadorismo e repressões violentas, foi a era-Reagan – espelho do que acontecia um pouco por todo o lado no início dos anos 80. De uma necessidade de ação libertária e utópica nasceu o "Desolation Center" – mais que um evento, ou melhor, vários deles, um “conceito”. Basicamente, Stuart Swezey, o idealizador, convenceu algumas bandas e alguns muito bem dispostos fãs a embarcar em autocarros para o deserto e tocar. São “festivais” hoje considerados como embriões de mega-eventos posteriores, como Lollapalooza e Coachella.

 

O "punk", como evidente em várias propostas do IndieMusic desta edição, segue incontornável como pontapé para as mais diversas liberdades e tomadas de posição. Também aqui tudo começa com eles e uma necessidade desesperada em fugir a uma polícia, que a estas alturas ataca com o pelotão de choque todos os concertos de punk rock. Um músico dos icónicos Black Flag, a dada momento, assegura a uma apresentadora de televisão, ignorante e sensacionalista como é habitual, que "a polícia representa a nova força neonazi".

 

Há momentos muitos especiais: Mark Pauline, um verdadeiro artista da era industrial (e bélica), responsável por brincadeiras muito perigosas, é um convidado de um dos concertos no deserto. Ele termina por criar um belo simulacro de fim do mundo, perfeitamente completado pelos Einstürzende Neubaten no alinhamento – isso em 1984, quando andavam no auge das suas próprias experimentações com percussões do mundo “real”. Assim, "noise" e explosões conjugam-se na distância do deserto para alguém resumir o espírito de felicidade experimentado pelos presentes: “anarquia total!!!” Por outras palavras, o êxtase do caos.

 

Tudo muito espontâneo e, certamente, ilegal. Estes empreendimentos muito particulares, que ainda terão nas suas fileiras nomes como os dos Sonic Youth e entre os entusiasmados espectadores Suzi Gardner (protagonista em outro filme do IndieMusic sobre a sua banda, as míticas L7), até fazem o empreendedor e também realizador do filme, Swezey, comparar-se a Fitzcarraldo, o personagem homónimo do clássico de Werner Herzog que coordenava o transporte de um navio pelo meio da floresta amazónica...

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por Roni Nunes às 20:10

"Hip to da Hop": Há "Hip hop português a invadir o IndieLisboa

por Roni Nunes, Sábado, 28.04.18

Artigo originalmente postado no Sapo.

Por Roni Nunes

 

 

“Hip to da Hop” propõe um mergulho no mundo da cultura muito urbana do hip hop, estilo musical adaptado em Portugal a partir da sua origem do Bronx, bairro nova-iorquino. Surge acompanhado de outras manifestações culturais: o “rap”, o DJ, o “breakdance”, o “grafitti”.

 

O filme tem sessões no âmbito do IndieLisboa nos dias 28, no cinema São Jorge, e 30, na Culturgest, e os cineastas explicaram ao SAPO Mag o que os entusiasmou registar após uma viagem de Norte a Sul do país…

 

SAPO Mag - O subtítulo do vosso filme, "Viagem a Portugal em 4 Vertentes", pressupõe a ideia de deslocação espacial generalizada no país do universo do hip hop e as suas várias manifestações culturais. É um fenómeno curioso quando conectado com as suas raízes, que eram dos bairros negros de grandes cidades norte-americanas...

 

O subtítulo do “Hip to da Hop” é uma pista acerca do tema do filme, que é de facto uma viagem que ambos também fizemos para poder compreender melhor esta cultura. E a melhor parte dela foi termos sido guiados pelas pessoas que entrevistamos - falávamos com alguém que nos levava a outro artista e que, por sua vez, nos indicava um terceiro. Na construção do argumento quisemos provar uma sensação semelhante à que nós vivenciamos, por isso colocamos apenas a voz de quem participa e as imagens e os sítios onde estivemos. Assim deixamos que um “writer” de Lisboa partilhe a sua visão e nos leve até um “B-boy” do Porto e por aí afora.

 

É de facto interessante perceber como é que uma cultura dos Estados Unidos, que nasceu para travar as lutas entre gangues, é importada para Portugal. Ela chega até nós quase vinte anos depois de ter nascido, já sedimentada e cristalizada através dos “medias” e das cassetes. Houve no início um processo natural de imitação em todas as artes, um processo de aculturação. Quando começámos a fundir a cultura portuguesa com a do hip hop o jogo começou a mudar.

 

De certa forma, sentimos que ainda estamos nesse processo e que somos bastante exigentes connosco nesse sentido, há uma demanda profunda no hip hop naquilo que é único e genuíno, na criação de arte que represente o criador e o local em que vive. Essa apropriação, evolução e as transformações que a tornaram numa parte integrante da cultura portuguesa, foram de facto alguns dos motes do nosso filme.

 

"Hip to da Hop" - Aiam

 

Vocês encaram o universo da música hip hop como enquadrada num quadro artístico mais amplo que envolve o "grafitti", o DJ, o rap e o breakdance. Acham que todos esses fenómenos são indissociáveis?

  

Ao longo dos anos tem havido uma perceção errada do que é a cultura hip hop. Muitos julgam que é apenas música ou uma dança. O que nos parece importante perceber é que não são só os elementos que tornam o hip hop em algo cultural, são também os valores e as regras que fazem parte desta cultura. O ponto de discussão que muitas vezes surge é o afastamento físico dos artistas das várias vertentes. Quando a cultura nasce no Bronx, DJ, “B-boys”, “writers” e “rappers” estavam todos próximos porque era ali o núcleo.

 

Quando surge em Portugal eram poucos e, de uma maneira geral, todos se conheciam. As coisas hoje mudaram: a expansão e as revoluções tecnológicas permitiram uma individualização que ao início não existia. É algo óbvio e talvez uma evolução necessária. O que nos interessou sobretudo compreender foram as consequências que isso trouxe e as opiniões sobre este ponto entre os artistas das diferentes gerações. Para muitos o hip hop não existe porque as pessoas não estão próximas. E, para outros, continuará a existir enquanto respeitarmos as mesmas regras. Quem tem razão? É algo interessante no filme: ver pessoas que pertencem à mesma cultura com uma opinião bastante diferente. Enquanto realizadores sentimos necessidade de abordar esta questão.

 

Há um aspeto muito interessante no filme que é o caráter quase didático, no bom sentido, de alguns depoimentos que recolheram entre os artistas. Eles explicam o seu método de trabalho...

 

O caracter didático é, sem dúvida, um dos pontos-chave do filme, embora seja algo que não tenhamos intencionalmente provocado. Ambos aprendemos imenso durante a viagem e isso foi algo que tentámos transmitir – até porque chegamos a ter entrevistas com quase três horas. Vários temas foram abordados nestas conversas. Ficamos fascinados com os diferentes processos criativos dos artistas. Cada um cria à sua maneira com base na sua personalidade e nas suas rotinas. O método de trabalho varia de pessoa para pessoa, de vertente para vertente, de geração para geração. Colocamos isso no filme porque achamos realmente interessante.

 

E, como consequência, existe um papel didático nisso. O nosso objetivo foi sempre criar uma obra cinematográfica interessante, que fugisse do típico estilo documental televisivo e que se tornasse numa peça digna de ser recordada daqui a uns anos. Compreendemos o papel educacional, antropológico e social que possa eventualmente ter. Mas desde inicio que o nosso principal objetivo foi fazer um bom filme.

 

"Hip to da Hop" - Ace & Mundo

 

Outra questão recorrente do filme é o da evolução do hip hop dentro do país. Neste sentido vocês encontram otimistas, para os quais "tudo é válido", e outros que salientam a perda da profundidade poética, política e formal de muitos "rappers". Como vêem esse fenómeno da massificação de um movimento cultural que teve muitas dificuldades em se afirmar no início?

 

Há uma frase que consideramos importante no filme e que, porventura, descreve um pouco estes últimos anos, ou seja, "tudo foi transformado". O filme mostra essas transformações e as evoluções que as diferentes vertentes foram atravessando. Hoje a cultura hip hop de certo modo popularizou-se e, talvez, aquela vertente que melhor reflete isso é o rap. É o estilo que encabeça os maiores festivais de música e é o mais ouvido no mundo inteiro nos serviços de "streaming".

 

As consequências, positivas e negativas, que isso trouxe são naturalmente imensas. Ao início os artistas não eram reconhecidos, as condições técnicas eram baixas, os salários igualmente baixos ou inexistentes. O facto de todos estes pontos se terem invertido acarretou várias mudanças: de um lado, irá sempre haver quem se aproveite para atingir fins financeiros e desvalorize os valores e as doutrinas que regem a cultura. Por outro, no entanto, trouxe melhores condições a todos aqueles que realmente se importam e se preocupam com estes pilares. A discussão não é nova: se analisarmos a história da cultura já era discutido ao início e certamente continuará a ser durante as próximas décadas.

 

Optaram por não usar apenas música de artistas de hip hop, mas também uma banda sonora mais tradicional, mais atmosférica...

 

A banda sonora tem um papel crucial no filme: ambos somos bastante exigentes e nós queríamos ter a música certa nos momentos adequados. Tivemos a oportunidade de trabalhar com artistas que construíram uma sonoridade sublime para a obra.

 

É o caso do António Lopes Gonçalves, que nos transporta para um Portugal quase imaginário através da sua guitarra; dos SleepinPatterns X Lost Soul, que criaram a textura para a maioria do filme, reforçando as emoções, as palavras e toda a componente imagética existente; e os SillabnJay Fella trouxeram a voz e uma mensagem para uma música que faz uma ligação enorme com o filme e tem várias pistas na letra sobre uma das temáticas do "Hip to da Hop". A textura sonora criada agradou-nos tanto que decidimos lançar um álbum de originais depois da estreia. Ver este filme a dar origem a outros projetos é algo que nos satisfaz bastante e é algo que gostaríamos de continuar a fazer

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por Roni Nunes às 14:51


Comentários recentes

  • Cleber Nunes

    Sem dúvida é um filme que me despertou interesse ...